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09/06/2016 - 17:27

Direitos Humanos e Saúde Mental são temas de audiência pública na Câmara

Eduardo Mourão Vasconcelos, psicólogo e integrante da Comissão de Saúde do Conselho Federal de Psicologia (CFP), foi o representante da autarquia no debate

Direitos Humanos e Saúde Mental são temas de audiência pública na Câmara

A relação entre direitos humanos e saúde mental, os desafios para a ampliação das políticas nessa área e as dificuldades do próximo período, com a atual conjuntura política e os acenos do governo interino, que demonstram claro retrocesso dessas políticas. Questionamentos e preocupações como estas pautaram a audiência pública sobre o tema realizada nesta quarta-feira (08). A audiência foi realizada pelas Comissões de Direitos Humanos e Minorias e de Legislação Participativa da Câmara, por meio de requerimentos dos deputados Luiz Couto (PT-PB) e Glauber Braga (Psol-RJ).

Eduardo Mourão Vasconcelos, psicólogo e integrante da Comissão de Saúde do Conselho Federal de Psicologia (CFP), foi o representante da autarquia no debate. Ele fez uma retrospectiva da política de Estado para a saúde e ressaltou os avanços trazidos com a promulgação da Lei 10.216/2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica. Lembrou que uma legislação como essa foi aprovada com participação social e garantindo que as políticas nessa área fossem unificadas com o Sistema Único de Saúde (SUS) e com a reforma psiquiátrica. Em sua avaliação, o momento político do país demonstra um caminho contrário a esses avanços e pode significar um claro retrocesso. Ele exemplificou com o currículo de alguns profissionais que já assumiram cargos no governo interino – entre eles, o do próprio ministro da saúde, Ricardo Barros (PP-PR), que em suas primeiras declarações falou em “rever o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS)”.  Outra preocupação ressaltada por Vasconcelos e por grande parte dos expositores presentes na audiência diz respeito ao retorno da lógica manicomial que também está presente nas declarações, inclusive públicas, e na vivência dos gestores escolhidos para assumir cargos na área da saúde.

“Nós temos símbolos muito pesados do que significou o manicômio nesse país. Eu sou mineiro e posso dizer que o Hospital de Barbacena foi nosso holocausto, campo de concentração em tempos de paz. Os levantamentos indicam que lá morreram 60 mil pessoas, cujos cadáveres eram vendidos para 17 escolas de medicina. Essa é a sombra que pode voltar, por isso, faz parte do trabalho dessa Comissão de Direitos Humanos ajudar a fiscalizar. Confio no trabalho dos parlamentares e nós, do movimento antimanicomial, estaremos assessorando vocês e a Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial”, destacou Eduardo Vasconcelos.

Melissa Oliveira, representante do Laboratório de Saúde Mental da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também considera o momento tenso para as políticas de saúde mental e, justamente por isso, aponta a necessidade de se reforçar os avanços trazidos pela Lei da Reforma Psiquiátrica. “É importante afirmar que essa lei não somente retirou milhares de pessoas dos manicômios, mas impediu que muitas vidas fossem submetidas a esse tipo de tratamento”.

Fortalecer e intensificar as ações da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial foi mais uma estratégia apontada como importante nesse momento de dúvidas quanto à política de Estado na área de saúde e saúde mental. Ana Paula Guljor, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), destacou que é preciso fortalecer as organizações que compõem a Frente, intensificar a mobilização e resistir aos retrocessos que virão.

Coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, lançada em abril desse ano com a adesão de 270 parlamentares, a deputada Erika Kokay (PT-DF) também manifestou sua preocupação com os retrocessos do governo interino. Ela lembrou que vivenciamos um rompimento democrático e que ele “está se aflorando com muito ódio”. A parlamentar questionou que ministros de Estado, nomeados pelo governo de Michel Temer, tenham declarado publicamente a defesa da culpabilização das vítimas e do recrudescimento de pena de usuários.

“Você cria um processo de desespero muito grande na sociedade e assim faz com que surjam as comunidades terapêuticas que em grande parte são profundas violadoras de direitos humanos. Não todas. Eu não generalizo. É um processo, elas retomam os manicômios sem qualquer tipo de orientação na área de saúde, apenas com a lógica punitiva. É preciso que impeçamos retrocessos. Precisamos fazer a discussão dos direitos humanos com saúde mental, entendendo que direitos humanos são absolutamente fundamentais para que construamos uma sociedade mergulhada na cultura de paz. Isso significa encarar que as pessoas são sujeitos, sujeitos de direito, e nós não temos isso quando se coloca uma pessoa em situação de drogadição numa lógica punitiva e manicomial, com a cumplicidade silenciosa do próprio Estado. Nós estamos trazendo o processo de revitimização, que é inadmissível”, alertou.

Também participaram da audiência a assessora técnica da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde Cinthia Lociks de Araújo; o enfermeiro, psicólogo e militante dos Direitos Humanos em Saúde Mental Edmar Carrusca; a representante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial Rosemar Lemos e o representante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila) Vinicius Suares de Oliveira.