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14/10/2016 - 10:34

Psicologia para enfrentamento do câncer exige formação específica, diz Maria Alice Lustosa

Na segunda parte da entrevista, que termina de ir ao ar hoje, a psicóloga alerta que a graduação não é suficiente para lidar com a complexidade da doença

Psicologia para enfrentamento do câncer exige formação específica, diz Maria Alice Lustosa

Nesta sexta-feira (14), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) divulga a segunda parte da entrevista com a psicóloga hospitalar e da saúde Maria Alice Lustosa sobre a campanha #OutubroRosa.

Na gravação, Lustosa comenta sobre o que é necessário na formação da (o) profissional de Psicologia para atender pacientes com esse diagnóstico. Também fala sobre a importância de um diagnóstico precoce e das previsões estatísticas de novos casos no Brasil. Ela é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar (SBPH) e responsável técnica do Centro de Estudos em Psicologia do Rio de Janeiro (Cepsi).

A entrevista foi ao ar, nas duas últimas semanas, na coluna Espaço Formação da RádioPsi e veiculará seu último trecho nesta sexta-feira (14), às 11h, com reprise às 15h e às 17h.

Acesse os áudios da entrevista na íntegra.

Leia também a primeira parte da entrevista.

Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de mama é relativamente raro antes dos 35 anos. A mulher brasileira se preocupa, ou ainda tem muito medo de falar da doença, e por isso, adia muito o tratamento?

Adia muito. No serviço público, na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (onde a entrevistada trabalha), vemos como a maioria das mulheres chega com a doença em um estágio muito avançado. Na verdade, elas já sabem que têm um câncer de mama, já entenderam isso, mas têm medo de ouvir esse diagnóstico do médico. Então ela vai postergando a ajuda médica e, quando chega até nós, não tem mais condições de sobrevida e tem um diagnóstico muito ruim. É difícil elas chegarem precocemente. Quando são mais jovens, vemos elas chegando precocemente, pois se assustam com o caroço e acabam procurando atendimento mais cedo.  Mas no caso das mulheres que estão na faixa do câncer de mama (geralmente a partir dos 35 anos), as vemos chegando tardiamente. Por isso, elas acabam tendo que passar pela mastectomia.

O Inca estima que 57.960 novos casos sejam confirmados em 2016. Como mudar essa realidade e a vida de muitas mulheres?

Quando olhamos para a estatística a gente nunca acha que isso pode acontecer conosco. Por um lado, temos a certeza de que isso não irá acontecer com a gente, por outro, temos tanto medo que acabamos por não fazer o autoexame para não encontrar alguma coisa. A realidade é que a população precisa se habituar a prevenir doenças. A primeira pessoa que pode detectar isso sou eu mesma. Todas as mulheres deveriam ter essa consciência. Precisamos perder esse medo de detectar doenças e detectá-las precocemente.  Eu tenho pacientes que estão vivendo há 20, 30 anos com câncer de mama. Uma doença que a gente toma ainda como fatal e na verdade não é, se for detectada precocemente. Ele é até curável, e se não for curável, os pacientes podem ter uma sobrevida de 30 anos. O câncer mata, mas no caso do de mama, é importante alertar que temos uma sobrevida muito grande e muitas chances de cura.

A categoria está preparada para lidar com todas as questões que envolvem o câncer de mama?

Nem todos os psicólogos acham que precisam de alguma formação depois que eles fazem a faculdade. Grande parte dos graduados em Psicologia acha que pode sair da faculdade e entrar em qualquer serviço que irá dar conta do recado. Sabemos que não é bem assim. A faculdade não nos prepara para atividades do dia a dia, por exemplo, dentro de um hospital geral. Nos casos de doenças fisiológicas como o câncer, nós temos especializações, cursos de formação, cursos de especialização em Psico-Oncologia. Assim nós encontramos a forma de nos preparar para lidar com esses pacientes e com sua família, com a equipe de saúde que trabalha dentro desse local que é a oncologia. O atendimento desses casos, temos vários grupos.

Tem o grupo de nódulo, quando a mulher descobre que tem o nódulo e não sabe se será maligno ou benigno. Nesse grupo ela poderá trabalhar as suas angústias, depois da descoberta. Se for maligno, ela entra num grupo para a mastectomia onde irá encontrar outras mulheres, que tenham sofrido essa intervenção e estão em tratamento, para ela ver como será. E até mesmo no seu tratamento, caso futuramente ela tenha uma metástase. Isso só é possível com uma formação nessa área após a conclusão da faculdade. Somente com os conhecimentos adquiridos na faculdade eu não terei condições de realizar esse tipo de trabalho. Se eu for trabalhar com doença fisiológica, eu preciso ter uma especialização em câncer ou na Psicologia Hospitalar e da Saúde.

Como a psicologia deve atuar no momento mais crítico da doença, aquele em que é preciso falar da morte?

Com os pacientes com o câncer, o primeiro impacto, qualquer que seja o diagnóstico em qualquer área do corpo, é o de que a pessoa vai morrer. Eu quero lembrar que a morte está na nossa frente todo o dia. As pessoas esquecem que estão vivendo e vencendo a morte diariamente. No caso da mulher com câncer de mama, quando o médico dá o resultado, ela já pensa que vai morrer. Ela pode morrer do câncer, mas, inclusive, de outra causa. O que nós temos que trabalhar é que essa pessoa não pode ter o medo da morte pelo câncer de mama. Ela precisa enfrentar a morte que o câncer pode trazer, assim como todos os outros motivos que nos trazem a morte diariamente, como o carro, ataque do coração, acidente dentro de casa. É muito difícil dissociar o câncer da morte. Há pacientes que vão morrer do câncer de mama, e para esses nós temos uma ajuda que são os cuidados paliativos. Não tentaremos curar algo que não terá cura, mas vamos tentar trazer para essas pessoas conforto, que é o que chamamos de dor oncológica. Tirar por completo a dor desses pacientes e acompanhá-los até o momento da morte. E quem faz isso é uma equipe interdisciplinar que trabalha com esse tipo de apoio. O mais importante para os pacientes que vão caminhar para a morte é a supressão da dor oncológica, e hoje nós temos uma série de medicamentos e apoio para evitar que esses pacientes tenham dor na hora da morte. Com os cuidados paliativos é possível suprimir essa dor.

Que mensagem você deixaria para quem já passou ou está passando por esse processo e para as e os profissionais que lidam diariamente com pacientes com esse diagnóstico?

Cada um de nós pode ter uma série de doenças, e isso não é castigo de Deus. Nós estamos vivos e podemos adoecer e se for o caso de ter um diagnóstico de câncer de mama, levante e vá enfrentar isso, como tudo que enfrentamos na vida. Procure um médico, um psicólogo, se acerque dos seus familiares, dos seus amigos, do seu parceiro ou parceira, seus filhos. Não fique sozinha lutando contra isso, existem muitas formas de ser apoiada. Se você é familiar de uma paciente com câncer de mama, se aproxime dela, fale com ela, veja as angústias que ela tem, ajude-a encontrar um apoio psicológico. Você também irá precisar. Se você trabalha na categoria e gosta dessa área de Oncologia, faça uma especialização que te capacite para trabalhar com esse tipo de paciente, familiares e equipe. Não faça uma inserção nessa área de qualquer maneira. Faça uma inserção em um hospital com a sua formação realizada, com estágio e supervisão. Essa é uma área extremamente difícil de lidar e não contamos com essa formação na faculdade. Não entre para trabalhar com esses pacientes e equipes sem ter tido uma formação direcionada para tal trabalho. Nós precisamos muito de profissionais preparados nessa área para trabalharem nos hospitais.