Resolução 01/99 – Psicologia e práticas homossexuais

Histórico

Em vigor há 18 anos, a Resolução nº 01/1999 veta que as (os) profissionais da Psicologia exerçam qualquer atividade que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas. Proíbe, ainda, adotarem ação coercitiva que busque orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. A norma impede, portanto, a prática de terapias na linha da “cura gay”. “Antes de 1999, havia psicólogas (os) que, desrespeitando os parâmetros da ciência, tratavam os LGBTI como doentes. Infelizmente alguns ainda insistem nesta prática. A Resolução do CFP foi um marco e nós temos que nos empenhar em defende-la e aprimorá-la”, afirma Toni Reis, diretor executivo do grupo Dignidade e da Aliança Nacional LGBTI.

De acordo com a psicóloga Sandra Sposito, conselheira do CFP, ao publicar a Resolução nº 01/1999 e defender a despatologização das identidades trans, a entidade e a categoria buscam impedir e frear a construção de preconceitos, de marginalização e inferiorização da população LGBT. “O Sistema Conselhos de Psicologia tem o papel de se posicionar em defesa da dignidade, da cidadania e do acesso da população LGBT a direitos e às políticas públicas”, resume.

Ana Luiza Castro, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do CFP (CDH/CFP), diz que a Psicologia está profundamente ligada a essa bandeira. “Na década de 1990, fomos procurados por integrantes do movimento gay, que denunciaram a existência de psicólogos que ofereciam a cura da homossexualidade.” A Resolução CFP nº 01/1999 foi construída depois de seminários e debates com a categoria. “É uma bandeira histórica da Psicologia. Muito importante no cenário brasileiro atual de intolerância e cultura de ódio e desrespeito às diferenças”

Castro recorda os avanços dos últimos anos e fala que, em 2016, em razão do retrocesso político e econômico do país, “fundamentalismos de todas as ordens tomaram a cena”. Nesse contexto, os LGBT ficam ainda mais vulneráveis, expostos a toda a forma de preconceito e exclusão. “Por isso, é fundamental comemorar o Dia do Orgulho LGBT e reafirmar que a homossexualidade não é doença.”

Homossexualidade não é doença

Desde 1973, a homossexualidade não é classificada como perversão ou distúrbio pela Associação Americana de Psiquiatria. Em 1975, a Associação Americana de Psicologia aprovou uma resolução que dava apoio a essa decisão e retirou, do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), a homossexualidade do rol de transtornos psicológicos.

No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Medicina retirou da lista de transtornos a classificação “homossexualismo”. A Organização Mundial de Saúde (OMS) excluiu, em 1991, a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde (CID 10). “A nossa primeira grande vitória foi a despatologização da homossexualidade. A segunda foi o crescimento do movimento LGBTI, de apenas 15 organizações, nos anos 1990, para cerca de 400 em todo o Brasil”, comemora Toni Reis.

Desejo homoafetivo

Conforme Art. 2° da Resolução CFP nº 01/1999: “os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas”.

Desse modo, cabe ao profissional acolher a demanda trazida ao consultório, livre de pré-concepções ideológicas e estigmatizantes. Deve considerar que a conduta e o desejo homoafetivo não são patológicos, mas sim manifestações comuns e universais da sexualidade humana em sua diversidade.

Retrocessos

Para Sandra Spósito, o Brasil vive um momento de disputas de concepções de ser humano e de projetos de sociedade, que se manifestam nos cenários político, social e acadêmico. Ela lamentou o retrocesso que o Distrito Federal vivenciou esta semana, no dia 26, quando a Câmara Legislativa decidiu vetar o decreto do governador para regulamentar a antiga lei anti-homofobia local – Lei n° 2.615/2000 que prevê multas em casos de intolerância contra população LGBT.

“Se um decreto que busca proteger as pessoas LGBT é vetado pelos deputados distritais sinaliza que os parlamentares não desejam responsabilizar quem comete atos de violência. O que os parlamentares estão dizendo é: ‘Não queremos que o Estado impeça a violência. Queremos deixar um grupo populacional ainda mais vulnerável, sem acesso à justiça, exposto ao preconceito, à difamação e à exclusão’”, ressalta a conselheira do CFP.

Violência

A cada 25 horas, um LGBT é barbaramente assassinado vítima da “LGBTfobia” no Brasil. Em 2016, foram 343 mortes. As mortes de LGBT saltaram na série histórica de 130 homicídios, em 2000, para 260, em 2010.

O índice faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. “Matam-se mais homossexuais aqui do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBT”, diz o relatório de 2016 do Grupo Gay da Bahia.

Os dados da violência são assustadores. A violência anti-LGBT atinge “todas as cores, idades, classes sociais e profissões”. A vítima mais jovem tinha menos de 10 anos e foi violentada e espancada até a morte em Curuá, no Pará. A mais idosa, um aposentado de 71 anos de Araruna, na Paraíba, foi encontrada morta em sua casa, amordaçada, com pés e mãos amarrados e com sinais de espancamento, vítima de latrocínio. “O Brasil precisa mais do que uma campanha de combate à violência e uma lei que criminalize a LGBTfobia. É necessária uma medida extrema para combater os altos números de assassinatos de travestis e transexuais”, defende Chopelly Santos, vice-presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Os dados da pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia mostram o predomínio das mortes de LGBT entre 19 e 30 anos (32%). Dos LGBT assassinados, 64% eram brancos e 36% negros. Entre travestis e transexuais – a maioria profissionais do sexo e de camadas sociais mais pobres –, 60% eram brancas e 40% pardas. O índice entre os negros foi de 9%. Dentre as profissões, foram identificadas 73 ocupações, com predominância de professores (17%) e estudantes (16%), seguidos, em menor número, por comerciantes, padres, empresários e enfermeiros. Diminuiu significativamente, em 2016, o número de mortes de profissionais do sexo e cabeleireiros, categorias mais vulneráveis em anos anteriores.

Leia o relatório completo do Grupo Gay da Bahia.

História

O Dia do Orgulho Gay, celebrado mundialmente em 28 de junho, relembra a reação de pessoas LGBT que frequentavam o bar Stonewall Inn, em Nova Iorque, no ano de 1969, a uma série de batidas que os policiais faziam no bar com frequência. Até hoje, o local é frequentado por gays, lésbicas e transgêneros.

O protesto com a perseguição da polícia às pessoas LGBT durou mais duas noites e, em 1970, resultou na organização, em 1° de julho, da 1° Parada do Orgulho LGBT. Atualmente, as Paradas do Orgulho LGBT ocorrem em quase todos os países do mundo e em muitas cidades do Brasil.

“O Dia 28 é importante por lembrar que ser gay, lésbica, travesti, transexual é um motivo de orgulho, ao contrário do que a sociedade impõe. A gente veio ao mundo para ser feliz”, afirma Chopelly Santos, vice-presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Garantia de direitos – Tatiana Lionço, professora de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) afirma que a relevância da Resolução CFP nº 01/1999 ultrapassa os limites do exercício profissional de psicólogos (as). “Ela é instrumento essencial na revisão de discursos e práticas, mas também têm sido bastante utilizada por outros atores na argumentação jurídica a favor da garantia de direitos à população LGBT.”

Segundo Pedro Paulo Bicalho, membro da diretoria do CFP, muitos processos judiciais que concedem a adoção de crianças por casais homoafetivos, por exemplo, têm como fundamentação a Resolução nº 01/1999. “Isso consolida a importância do posicionamento oficial da Psicologia brasileira”.

Bicalho ressalta que o CFP vem desenvolvendo diversas ações, de comunicação e jurídicas, relacionados à defesa dos direitos LGBT. A autarquia está habilitada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) como amicus curiae em quatro processos judiciais que tratam do tema LGBT. Outra ação de destaque é a participação do Conselho Federal de Psicologia em uma comissão do Conselho Federal de Medicina (CFM) que pretende alterar a resolução do CFM de atendimento a transexuais e travestis no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na América do Sul

A questão, na região, varia de acordo com cada país. Somente a Guiana, do total de 14 países e territórios da América do Sul, criminaliza as relações homossexuais entre homens. No Equador, há leis que garantem a proteção e reconhecem uniões civis entre casais do mesmo sexo. A Argentina, o Brasil, a Colômbia e o Uruguai são os únicos que reconhecem e garantem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A questão ainda está em discussão na Venezuela.