Por que nos sentimos atraídos por algumas pessoas e não por outras? Por que uma intensa atração sexual termina tão misteriosamente como começou? O que, no outro, nos seduz ou nos causa repulsa? A Psicologia nos informa que tanto a homossexualidade quanto a heterossexualidade são orientações sexuais igualmente legítimas, pois a pulsão sexual não tem objeto fixo, por não estar atrelada ao instinto como nos animais. Por nascermos sexualmente indiferenciados, as escolhas de objeto são pontos de chegada sem nenhuma predeterminação natural.
Não cabe ao psicólogo, a despeito de suas crenças pessoais, exercer qualquer tipo de ação que induza a tratamentos não solicitados visando a “cura gay” ou “terapias” com o intuito de produzir uma reversão na chamada “orientação sexual”, como se existisse uma linha “normal e natural” da qual o/a homossexual se desviou. Seria como aconselhar a um sujeito, que procura ajuda por conflitos conjugais, a não se separar, pois o “natural” do ser humano seria constituir família. E, a partir daí, propor-lhe um tratamento visando “curá-lo” de sua incapacidade de manter laços conjugais.
É neste viés que assistimos propostas como a do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 234/11, em trâmite na Câmara dos Deputados, que visa sustar parte da Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) nº 001/99, que “estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação a questão da Orientação Sexual”. É no mínimo curiosa a insistência em “ler” o que lá não está escrito: em momento algum, a proposta impede que profissionais da Psicologia atendam pessoas cujo sofrimento psíquico decorra de sua orientação sexual.
Sabemos, graças aos estudos da Psicologia, que a sexualidade humana tem uma história, cujos elementos constitutivos situam-se bem antes do nascimento da criança. A maneira como cada um vivencia a sua sexualidade – de forma mais ou menos reprimida, com prazer, com culpa, enfim, as singularidades das manifestações da sexualidade em suas vertentes homo, hétero, bi – é construída desde os primeiros dias de vida e traz, em sua essência, as marcas do imaginário sexual da sociedade na qual a criança encontra-se inserida.
O que determina a forma “correta” do exercício da sexualidade são critérios construídos, e historicamente datados, que repousam sobre o sistema de valores de uma dada sociedade. Na cultura ocidental, o “normal” é a sexualidade heterossexual, o que faz que todas as outras sejam vistas como desviantes e, para alguns, passíveis de correção.
Em minha prática clínica de quase 30 anos, tanto no Brasil como no exterior, tive oportunidade de trabalhar com sujeitos que procuram ajuda profissional devido ao sofrimento advindo da forma de viver a sua sexualidade, seja na vertente heterossexual ou homossexual. Ademais, da mesma forma que existem os “ex-gays”, existem igualmente os “ex-héteros”, o que não significa, em absoluto, que o sujeito foi “curado” de sua homossexualidade ou de sua heterossexualidade.
Na grande maioria dos casos, o conflito apresentado pelo sujeito não está ligado diretamente a sua sexualidade, mas ao discurso social que dita os parâmetros da “sexualidade de normal”. Neste sentido, entende-se perfeitamente que muitos gays procurem ajuda na tentativa de livrarem-se da opressão social da qual são vítimas.
O discurso heteronormativo hegemônico cria uma espécie de armadura na qual o sujeito, em eco com o sistema de valores morais, vê-se aprisionado em uma forma que determina a maneira correta de viver a sexualidade, e condena toda expressão sexual que escape às normas socialmente construídas. Com isto, o imaginário cultural não apenas impede uma fluidez pulsional menos conflitante, como impõe um discurso dogmático estigmatizante, que classifica os sujeitos como normais ou desviantes a partir de sua orientação sexual.
*Paulo Roberto Ceccarelli é psicólogo, psicanalista, doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII e pós-doutor pela Universidade de Paris VII.