Notícias

03/03/2015 - 13:11

Nota pública dos conselhos de Psicologia sobre a execução de jovens negros na Bahia

Os Conselhos Regionais de Psicologia (CRP) abaixo elencados e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vêm expressar seu repúdio diante da recorrente violência do Estado brasileiro para com a população negra, a exemplo da morte de 12 moradores da região do Cabula, em Salvador

Nota pública dos conselhos de Psicologia sobre a execução de jovens negros na Bahia

Os Conselhos Regionais de Psicologia (CRP) abaixo elencados e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vêm expressar seu repúdio diante da recorrente violência do Estado brasileiro para com a população negra, a exemplo da morte de 12 moradores da região do Cabula, em Salvador-Bahia, no dia 06 de fevereiro, amplamente veiculada na mídia. Este posicionamento é embasado no Código de Ética da profissão de 2005, que em seus princípios fundamentais afirma que “O Psicólogo baseará o seu trabalho apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos” e “contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão”. Desta maneira, os CRPs aqui listados e o CFP entendem ser extremamente necessária a problematização do ocorrido.

A ocorrência do dia 06 de fevereiro veiculada na mídia como uma ação bem sucedida do Estado no combate a um suposto assalto a banco, de acordo com relatos anônimos feitos à Anistia Internacional, evidencia-se como uma verdadeira chacina de jovens negros daquela localidade, encontrados com sinais de tortura e executados sumariamente. Falsamente foi noticiado que a maioria dos jovens tinha antecedentes criminais, afirmação que foi corrigida e que mesmo verdade, absolutamente não justificaria o saldo desastroso de 12 mortes.  Reafirmamos que estas mortes evidenciadas no estado da Bahia não podem, em nenhuma hipótese, ser consideradas aceitáveis, naturalizadas, nem tomadas como fato isolado. Dados do Mapa da Violência de 2012 mostram que enquanto o número de vítimas brancas de homicídio caiu 27,5%, entre 2002 e 2010, o número de vítimas negras no mesmo período teve crescimento de 23,4%, o que evidencia a maior vulnerabilidade da população negra e reforça o ocorrido no estado como apenas uma situação dentro de um contexto muito maior. De acordo com relatório da Anistia Internacional de 2015, a Bahia é um dos estados com maior número de violações de direitos humanos e homicídios. É inadmissível conceber que o estado de maior população negra do país seja um dos líderes no que tange o assassinato de sua juventude.

É de fundamental importância que os profissionais da Psicologia estejam cientes de que o sofrimento das famílias e comunidades, silenciadas forçosamente por sua condição, precisa também ser visibilizado. Famílias inteiras têm adoecido pelas constantes perdas de seus filhos, muitas dessas com perdas de uma geração inteira de seus jovens. Não foram apenas números, mas sim histórias, sonhos, trabalhos, estudos, famílias inteiras devastadas, uma comunidade em constante medo.  Não, não podemos silenciar frente a tal situação. Compreendemos que o Estado deve cumprir o seu dever de garantir os direitos estabelecidos por lei, em todas as esferas. Tanto as execuções dos jovens da Vila Moisés, quanto as declarações do governador da Bahia, Rui Costa, legitimando a ação policial apesar dos indícios de execução e antes de qualquer investigação, demonstram o quanto ainda estamos distantes de um projeto de sociedade que garanta a vida e a dignidade humana para todas as pessoas, sendo a juventude negra a mais vulnerável. Os Conselhos Regionais aqui listados e o CFP, honrando o Código de Ética da Profissão e suas trajetórias na garantia do cumprimento dos Direitos Humanos, colocam-se em posição de discordância ao atual quadro, exigindo que as investigações frente aos abusos relatados sejam realizadas de maneira a ouvir todas as partes e garantir que este direito seja concedido sem que haja ameaças e represálias. Faz-se urgente repensar e realizar outro modelo de segurança pública em nosso país, sendo este caso da Bahia mais uma absurda situação a evidenciar tal necessidade. Somente com uma Psicologia crítica e comprometida, com posicionamentos antirracistas e inclusivos, poderemos superar os mecanismos de alienação que afetam a todos enquanto coletividade. Reforçamos o compromisso das instituições aqui registradas, entendendo ser isto crucial para a ética e prática profissional – e, sobretudo, para o cumprimento pleno da função social que temos e precisamos ter, nesta sociedade onde as desigualdades e as discriminações ditam os que têm direito à ampla defesa e à vida. Frente a tudo isso, não podemos e não iremos silenciar. Esperamos que os coletivos, movimentos sociais e entidades da sociedade civil comprometidos com os Direitos Humanos se fortaleçam e cresçam, pois isso é uma clara demonstração de saúde mental. Aquele que luta e reivindica uma vida diferente tende a uma maior satisfação, uma melhor saúde exatamente porque toda luta por reconhecimento é emancipatória. Uma sociedade sem racismo é possível!

CFP – CRP 2a região – CRP 3a região – CRP 10a região – CRP 11a região – CRP 14a região – CRP 23a região – CRP SP – CRP RJ – CRP RS

Foto: Rafael Bonifácio