A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal realizou nesta quinta-feira (23) uma audiência pública para debater a idade penal no país. A reunião contou com representantes de entidades da sociedade civil, órgãos públicos e entidades de classe, dentre ela, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), com a participação da presidente Mariza Monteiro Borges. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 171/93) da Câmara dos Deputados, que propõe redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, foi o foco das falas dos presentes.
A presidente do CFP abordou, sob o viés da Psicologia, as questões implicadas no tema da maioridade penal. Ela destacou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não dispõe apenas de medidas de encarceramento, mas visa a recuperação e a reinserção do jovem na sociedade. Em sua apresentação, abordou os fenômenos sociais que contribuem para exacerbação do debate: “A espetacularização da violência, a judicialização de relações sociais, a patologização e a medicamentalização de comportamentos, e o clamor da população pelo encarceramento, são questões que levam a essas defesas da redução da maioridade penal”, reforçou.
Mariza Borges também apresentou números que indicam que os jovens são, na verdade, as maiores vítimas de violência – representando 53,4% das vítimas de homicídios em 2012. Ela apontou, ainda, constatações do saber psicológico em torno do tema. Segundo ela, a delinquência juvenil indica que o Estado, a sociedade e a família não têm cumprido adequadamente os direitos da criança e do adolescente. A presidente ressaltou, finalmente, que criminalizar os jovens com cadeia “é a escolha mais simples, que, além de não assegurar a redução da violência, poderá colidir frontalmente com os objetivos dos constituintes originários de 1988”.
Debate
O senador Telmário Mota (PDT/RR), que presidiu a audiência, criticou a atuação de “programas policialescos” de televisão que mostram a violência, mas não se preocupam em aprofundar o debate por meio de dados e números. O parlamentar destacou, ainda, que apenas 0,9% dos crimes são cometidos por jovens menores de 18 anos e, em casos de crimes hediondos, esse número se reduz a 0,5%. “Enquanto isso, o número de jovens mortos representam 36% do total de homicídios no país”, ressaltou.
O juiz André Salvador Bezerra, presidente da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD), disse que o limite de 18 anos é cláusula pétrea da Constituição Federal, e afirmou que uma eventual redução da maioridade teria como resultado o aumento da violência. O magistrado classificou de “malabarismo hermenêutico”, a tentativa de se declarar a redução da maioridade penal como constitucional.
Contra o argumento de que menores ficam impunes, Angélica Moura Goulart, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ressaltou que os adolescentes e jovens são proporcionalmente mais punidos que os adultos quando cometem o mesmo tipo de infração. Como exemplo, ela citou que o jovem que sofre medida de internação por três anos não tem diminuição ou progressão do regime, ao contrário do adulto – que é condenado por roubo qualificado, podendo progredir ao regime semiaberto.
Já a representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Bruna Ribeiro Nunes, alertou que a discussão sobre redução da maioridade penal tem se baseado em um conjunto de dados inverídicos, destacando, como exemplo, pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que aponta que 78% dos países adotam a idade etária de 18 anos para a maioridade.
A vice-presidente do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Esther Lemos, classificou a redução como retrocesso. Ela lembrou que a Constituição e o ECA representaram uma mudança de paradigma que tirou o adolescente da perspectiva de situação irregular para uma de proteção integral. A assistente social cobrou as responsabilidades da União, bem como dos estados membros, na implementação das medidas do Estatuto e da Lei 12.594, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
Antes do início do debate, houve apresentação de trecho do programa “Profissão Repórter” da Rede Globo de Televisão, apresentado pelo jornalista Caco Barcelos, no qual foram citados dados diversos sobre a violência envolvendo jovens.
A audiência pública contou, ainda, com uma segunda mesa de debates que teve a participação de Felipe da Silva Freitas, Secretário Executivo do Conselho Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial – CNPIR, Pedro Paulo Guerra de Medeiros, Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Luciana Loureiro Oliveira, Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal – PRDC/DF e Ariel de Castro Alves, representante da ONG Internacional Aldeias Infantis SOS.