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20/08/2015 - 10:32

Relatório do CFP é citado em discussão no STF sobre descriminalização das drogas

Rodrigo Mesquita, representante da ABGLT, falou sobre levantamento feito 68 unidades de internação onde foram identificadas violações de direitos de pessoas em tratamento.

Relatório do CFP é citado em discussão no STF sobre descriminalização das drogas

O Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu nesta quarta-feira (19) o julgamento que pode descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. A análise será retomada nesta quinta (20) com a leitura do voto do relator do processo, ministro Gilmar Mendes. Ele será o primeiro dos 11 ministros da Corte a votar. A decisão final depende da maioria dos votos.

Durante o início do julgamento, Rodrigo Mesquita, representante da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), citou o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas, produzido pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Mesquita falou pela ABGLT, entidade habilitada como “amicus curiae” no processo.

“(…) Ainda que se admitisse criminalização de conduta não lesiva com o objetivo de se resguardar a saúde pública, não haveria suporte constitucional para a incriminação, pois esta não cumpre com os fins de redução de distribuição e consumo, em violação ao princípio da racionalidade da norma penal. Além de não os cumprir, aliás, é mesmo contraproducente, por conta da intensificação dos processos de marginalização e estigmatização de usuários. Quando se olha especificamente para a população LGBT esse efeito é ainda mais evidente. É o que indica o relatório do Conselho Federal de Psicologia publicado em 2011 resultado de um levantamento feito com 68 unidades de internação que elencou uma enormidade de violações de direitos de pessoas submetidas a tratamento, como tortura psicológica e violência física. Em 19 dessas instituições foram relatados casos de discriminação por conta da orientação sexual ou identidade de gênero dos usuários, o que indica bem, como ressaltado pelo relatório, o modo como a criminalização aprisiona e mortifica modos singulares de existência (…)”.

A discussão sobre o uso e posse de drogas como a maconha e a cocaína, que estava na pauta da semana passada do STF, foi adiada para esta quarta. Outras informações no site do Supremo Tribunal Federal: http://www.stf.jus.br/

Leia abaixo a íntegra do texto da sustentação oral de Mesquita:

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, Senhor Relator, Senhoras Ministras, Ministros da Corte, Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Representantes das partes, colegas advogados, servidores da casa, pessoas presentes.

Como suficientemente demonstrado nos autos e de modo brilhante exposto da tribuna pelas falas que antecederam à minha, a criminalização de usuários não se sustenta frente à Constituição da República.

O elemento subjetivo do tipo, composto pela expressão “para consumo pessoal”, delimita a conduta ao âmbito da intimidade e afasta qualquer alteridade que indique lesão ou perigo a outra pessoa. Aliás, aponta mesmo o bem jurídico tutelado, que é a saúde pessoal do usuário, e não a saúde púbica abstratamente considerada.

Por outro lado, o objetivo de se evitar eventual difusão da droga ou outras condutas lesivas por parte de usuários não justifica sua criminalização, tendo em vista que se tratam de condutas absolutamente diversas. Considerar de outra forma importaria em violação ao princípio da legalidade.

Por fim, o argumento de que somente no caso do tipo penal trazer o verbo usar haveria inconstitucionalidade também não se sustenta: a Lei de Drogas é bastante restritiva na descrição da posse para consumo pessoal, tanto que sempre que a conduta oferece risco a terceiros ela é prevista em outro tipo e punida como maior severidade, como é o caso do consumo compartilhado.

Ainda que se admitisse criminalização de conduta não lesiva com o objetivo de se resguardar a saúde pública, não haveria suporte constitucional para a incriminação, pois esta não cumpre com os fins de redução de distribuição e consumo, em violação ao princípio da racionalidade da norma penal.

Além de não os cumprir, aliás, é mesmo contraproducente, por conta da intensificação dos processos de marginalização e estigmatização de usuários. Quando se olha especificamente para a população LGBT esse efeito é ainda mais evidente. É o que indica o relatório do Conselho Federal de Psicologia publicado em 2011 resultado de um levantamento feito com 68 unidades de internação que elencou uma enormidade de violações de direitos de pessoas submetidas a tratamento, como tortura psicológica e violência física. Em 19 dessas instituições foram relatados casos de discriminação por conta da orientação sexual ou identidade de gênero dos usuários, o que indica bem, como ressaltado pelo relatório, o modo como a criminalização aprisiona e mortifica modos singulares de existência.

As próprias entidades que cuidam da política de drogas em âmbito internacional já recomendam a descriminalização justamente em razão do aprofundamento de violações de direito que resultam do estigma. Neste sentido, as posições públicas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime, além da Organização dos Estados Americanos.

Não se pede à Corte que se faça de gestora de política pública, mas estritamente o exercício de sua competência com o controle de constitucionalidade de norma específica, frente aos princípios do ordenamento brasileiro. Uma discussão que, apesar de relevante, não é simplesmente abstrata: impacta efetivamente a vida de milhares de pessoas. Pessoas que eventualmente precisam de serviços de atenção em saúde e acabam por não os buscar por conta da criminalização.

Além disso, com o presente julgamento a Corte dirá em definitivo o que não cabe no ordenamento jurídico nacional, quais as características das condutas que podem ser criminalizadas, fazendo importante demarcação em um tempo em que acirramentos políticos tem inflamado discursos, até mesmo no Parlamento, de profilaxia social – aliás, como fez quando declarou não recepcionado o art. 25 da Lei de Contravenções Penais.

O que se espera com o julgamento do presente caso é que, a partir dele, usuários de drogas tenham sua dignidade reconhecida e respeitada, que avancemos para uma política que garanta direitos, um modelo mais humano e racional, onde educação sobre drogas seja um direito que conduza à autonomia e à saúde de cada um, e não uma sanção, como faz hoje o art. 28 da Lei de Drogas em seu inciso III.

Obrigado.