Tema que suscita amplo debate na sociedade, o aborto é mais um assunto que não pode ser esquecido na Semana da Mulher. Os argumentos contrários são vários, porém poucos deles consideram o direito das mulheres de decidir sobre o seu corpo e até mesmo de escolher entre ser ou não mãe. A legislação brasileira adota uma orientação punitiva que criminaliza as mulheres. O aborto no Brasil só é permitido quando a gravidez oferece risco à vida da mãe ou foi ocasionada por meio de estupro, e mais recentemente, em casos de feto sem cérebro. Nessas situações, a mulher pode exigir esse direito e ser atendida pelo Sistema único de Saúde (SUS). Mesmo em casos de abortamento legal, o serviço ainda é insatisfatório, como conta a psicóloga Vanessa Dios, mestre em psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília e doutoranda em Ciências da Saúde também pela UnB. Ela destaca que existem lacunas no alcance do serviço e até mesmo na preparação dos profissionais da saúde, como psicólogos e psicólogas.
“Esse é mais um dos desafios, é a gente implementar esse serviço de abortamento legal, no Brasil, que apesar dele ser legal a gente ainda vê muitas dificuldades, as dificuldades dos próprios profissionais em trabalhar e até dificuldade das mulheres de ter acesso, porque esses serviços não estão em todas as capitais. As mulheres que estão interior, elas têm que viajar horas para conseguir ter acesso.”
Nos casos não previstos em lei, para fugir da criminalização, muitas mulheres acabam realizando abortos clandestinos. Frequentemente, em condições precárias, especialmente no caso das mulheres de baixa renda, e não é raro o procedimento resultar em morte. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a cada dois dias uma mulher morre no Brasil em decorrência dos cerca de 800 mil abortos ilegais que ocorrem por ano. É o quinto maior causador da mortalidade materna no país, e, no mundo, 47 mil mulheres morrem em decorrência de abortos sem segurança, segundo dados da Organização da Nações Unidas (ONU).
A atuação da Psicologia nesses casos segue orientação descrita em nota técnica, emitida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em setembro de 2014, que destaca que “a decisão de ter filhos compete a quem vai gestá-los e criá-los e não ao Estado. Consideramos que não há como assegurar a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos sem o acesso ao aborto legal e seguro”. Carolina Sátiro Macedo, psicóloga clínica, e representante do Conselho Regional de Psicologia do Acre (CRP 20) no Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Rio Branco, destaca a necessidade de a categoria observar os impactos de intervenções profissionais em psicologia em situações que podem envolver crenças religiosas, como os casos de aborto.
“Garantir, legalizar o aborto, não te obriga a fazer um aborto, mas enquanto profissional te obriga a acolher essa mulher e ajudá-la que ela tome a decisão. A decisão que for melhor pra ela. Hoje em dia o nosso cenário na prática profissional tem confundido bastante essas questões e a gente precisa ficar muito atento, recorrer ao nosso código de ética para verificar que as nossas questões pessoais não podem interferir nos nossos atendimentos”
No Congresso Nacional, também são diversos projetos que ameaçam direitos já conquistados pelas mulheres. Dentre eles podemos destacar o Projeto de Lei 5069/2013, de autoria do presidente da Casa, Eduardo Cunha, em discussão na CCJ da Câmara e que propõe que seja vedado o atendimento pelo SUS às vítimas de violência sexual. A mais recente proposta apresentada é de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR/PE). O PL 4396/2016, protocolado em fevereiro deste ano, propõe a alteração de dispositivo do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) para prever aumento de pena no caso de aborto cometido em razão da microcefalia ou anomalia do feto. Vanessa Canabarro Dios integra o Grupo que prepara uma nova ação que será encaminhada ao Supremo Tribunal Federal para que seja dado o direito ao aborto em gestações de bebês com síndrome fetal associada ao Zika vírus.
“A ação tem três passos. O primeiro deles é que as mulheres tenham acesso ao diagnóstico e a informação. A mulher que está grávida e que teve sintomas do Zika, dengue e chikungunya, que ela possa realizar o teste para saber se ela teve o Zika ou não, ou se teve alguma outra doença. Tendo dado positivo o resultado para Zika, então a partir daí a gente lutaria para que a mulher pudesse escolher entre levar adiante essa gestação, levar adiante essa gestação e doar o filho para adoção e entre interromper a gestação. E por último seria, para as mulheres que resolverem levar adiante essa gestação, que elas tenham acesso após o nascimento dessa criança a todo o cuidado que essas crianças vão necessitar. A psicologia já se mostrou favorável ao direitos sexual e reprodutivo das mulheres e favorável ao PL que descriminaliza o aborto até 12º semana. Então isso é uma posição importante do nosso conselho, nós precisamos pensar a ação da microcefalia dentro desses parâmetros também. Como um direito sexual reprodutivo da mulher, um direito de escolha, um direito de poder pensar e planejar sua própria vida e sua própria história.”
De acordo com o último boletim, divulgado no dia 1º de março, pelo Ministério da Saúde, o Brasil já teve 5.909 notificações de microcefalia; 641 foram confirmadas e 4.222 estão em investigação. Dos casos confirmados, 82 tiveram exame positivo para o zika vírus.
Semana da Mulher
No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o CFP realizou um debate sobre o aborto com a participação de especialistas da Psicologia e da Medicina. Participaram Thomaz Gollop (Médico, coordenador do GEA – Grupo de Estudos do Aborto); Daniela Pedroso (psicóloga do Hospital Pérola Byington) e Vanessa Canabarro Dias (ANIS). O debate foi mediado por Zanello. Assista no Canal do Youtube da autarquia no link https://www.youtube.com/watch?v=_FPEE05en3U
Nesta semana a RádioPSI preparou um especial para abordar temas que são prioritários no debate sobre Psicologia e mulheres. Veja a programação da rádio e ouça esta e outras entrevistas: https://site.cfp.org.br/multimidia/radiopsi/