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08/07/2016 - 16:07

A Psicologia e suas interfaces com o sistema de Justiça

Durante o 3º Congresso Nacional da Psicologia (Conpcer), essa foi uma preocupação exposta pelos debatedores da mesa “Psicologia e suas interfaces com o meio jurídico”

A Psicologia e suas interfaces com o sistema de Justiça

As interfaces da Psicologia com o mundo jurídico podem trazer inúmeros avanços para ambas as áreas, mas os(as) psicólogos (as) precisam ser vigilantes para que, em suas práticas com pessoas em conflito com a lei, não substituam a abordagem de acolhimento e proteção pela lógica, presente no sistema penitenciário, do punitivismo.

Durante o 3º Congresso Nacional da Psicologia (Conpcer), essa foi uma preocupação exposta pelos debatedores da mesa “Psicologia e suas interfaces com o meio jurídico”. Para crianças e adolescentes, a ausência da Justiça ainda é geradora de muitas violências. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) seja a legislação para a garantia de direitos dessa população, são altos os índices que apontam a violência sofrida por crianças e adolescentes no país.

A psicóloga e doutora Maria José Gontijo Salum trouxe para o debate os dados do Relatório Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), divulgado recentemente. Os dados apontam que, em 2013, foram 29 crianças e adolescentes assassinadas por dia no Brasil. Dados como esse colocam o país em 3º lugar em homicídios de crianças e adolescentes no contexto de 85 países do mundo analisados, e entre os 15 primeiros países em letalidade de crianças e adolescentes. “É preciso refletir sobre o olhar que dirigimos às crianças e adolescentes, principalmente os em conflito com a lei. Concluímos que não é um olhar que os acolhe, é um olhar de exclusão que produz sérias consequências para essas pessoas. É preciso investir na palavra para superar a violência”, lembra Gontijo.

As violências sofridas na infância e não solucionadas na adolescência são, segundo ela, levadas para a vida adulta. Embora o ECA tenha surgido com vistas a reconhecer as peculiaridades de ser criança e adolescente e garantir os direitos da infância, hoje são combatidas várias conquistas trazidas pelo Estatuto, como a mobilização pela redução da maioridade penal. “A determinação legal para responder juridicamente traz vários problemas para a vida da pessoa, principalmente para o adolescente”, destacou a psicóloga.

Responder juridicamente também significa vivenciar a realidade do sistema prisional brasileiro que, na avaliação dos debatedores, é um modelo esgotado. O Brasil abriga a quarta maior população carcerária do mundo e várias pesquisas mostram que o encarceramento não consegue solucionar o problema da violência e, muito menos, ressocializar as pessoas.

A atuação da Psicologia no meio jurídico oferece aos profissionais um campo amplo para a prática. A psicóloga Cristina Rauter, que também participou da mesa, chama a atenção para que profissionais evitem “etiquetamentos” ou a atribuição de rótulos que, muitas vezes, reforçam a ideia do encarceramento. Também não devem, segundo ela, assumir o papel de “avaliador de periculosidade”. “O casamento da Psicologia com o direito nem sempre é muito feliz; às vezes, no lugar de humanizar, ele pode ser justamente para enxergar mais patologias que levarão ao aprisionamento dessas pessoas, fazendo coro com o momento que vivemos no Brasil, que tem o encarceramento como solução. A Justiça muitas vezes nos atribui o papel de ‘avaliador de periculosidade’. A Psicologia tem muito trabalho dentro das prisões, no acompanhamento da revista vexatória, por exemplo”, aponta Cristina Rauter.

Direito e Psicologia: a questão do louco infrator

Infratores com transtornos mentais são outra população que necessita de maior atenção do sistema de justiça. Haroldo Caetano da Silva, promotor de Justiça do Ministério Público Estadual de Goiás, trouxe as dificuldades e desafios da garantia de direitos e aplicação de medidas adequadas para essas pessoas.

Ele atua há 20 anos com essa população e destaca que, mesmo com os avanços trazidos pela Lei 10.216/2001, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, ainda existem no Brasil quatro mil pessoas em manicômios judiciários. Silva apontou, também, preocupação com o tratamento ofertado nesses locais.

Os debates do 3º Conpcer continuam até sábado (9), com mesas-redondas, rodas de conversa, minicursos e apresentações de trabalhos. Saiba mais sobre a programação.