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25/08/2017 - 9:34

Percepções de mulheres que vivenciaram o aborto sobre autonomia do corpo feminino

Artigo desta semana da edição 37.2 da revista Psicologia: Ciência e Profissão aborda dificuldades de diálogo em torno do tema

Percepções de mulheres que vivenciaram o aborto sobre autonomia do corpo feminino

Como dialogar sobre o aborto? O tema suscita diferentes posicionamentos morais e, por isso, obter um depoimento fiel das mulheres acerca do tema é delicado, pois se trata de temática que transcende a simples pergunta “Você já praticou aborto?” Essas são as reflexões presentes no artigo “Percepções de Mulheres que Vivenciaram o Aborto sobre Autonomia do Corpo Feminino”, publicado na edição 37.2 da Revista Psicologia: Ciência e Profissão.

Camila Simões Santos e Lia Marcia Cruz da Silveira assinam o texto. Simões Santos é psicóloga formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Cruz da Silveira, mestre em Ciências e Saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O CFP publica artigos da revista Psicologia: Ciência e Profissão no site e nas redes sociais – a versão eletrônica está na SciELO – para disseminar o conhecimento científico para a categoria e a sociedade. 

Decisão

Segundo as autoras, antes de tratar dos motivos que levam uma mulher a decidir fazer um aborto, torna-se importante entender como essa mulher compreende autonomia, ou seja, como essa mulher percebe sua liberdade no trato com o próprio corpo. O estudo objetivou analisar o discurso de mulheres que vivenciaram o aborto sobre a autonomia do corpo feminino. Quinze mulheres com idades entre 18 e 67 anos participaram do estudo, que usou a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados e a análise de discurso francesa como método de estudo. A ideia era evidenciar os sentidos que os sujeitos dão à realidade.

De acordo com as pesquisadoras, as entrevistadas reconhecem a autonomia sobre seus corpos como uma liberdade de escolha, porém, quando se trata do aborto, essa escolha precisa ser velada. Portanto, mesmo considerando as decisões sobre uma gravidez e o possível aborto como direito, o aborto apareceu ligado a um juízo de valor negativo nos discursos.

Camila Simões, uma das autoras da pesquisa, explicou o estudo.

 

O que motivou a pesquisa sobre o tema?

Diante dos números alarmantes de abortos no Brasil e dos desdobramentos da prática na vida das mulheres é importante abordarmos o problema como questão de saúde pública e de direitos humanos. Pensar o aborto apenas pelo viés dicotômico de certo ou errado minimiza as repercussões da prática na vida das mulheres e na de suas famílias. No levantamento bibliográfico, deparamo-nos com uma gama de informações com um enfoque biologicista sobre o aborto. Com relação às mulheres, os trabalhos acadêmicos estavam mais voltados para o perfil e o motivo que as levaram a decidir pelo aborto. Chamou-nos atenção o fato de as mulheres terem sido pouco questionadas sobre como entendiam a experiência do aborto e do sentido dessa prática em suas vidas.

Entendendo as mulheres como sujeitos ativos na construção de suas histórias, surgiu o interesse de ouvirmos das bocas das próprias mulheres como essa experiência impactou suas vidas, tendo como base o que entendiam sobre a autonomia do corpo feminino. Assim, o estudo contribui para que, cada vez mais, as mulheres sejam ouvidas e consideradas em um tema que as atinge tão diretamente.

 

Quais os resultados do levantamento?

O que fica em destaque no trabalho é a percepção das mulheres sobre a autonomia do corpo. Articulam essa autonomia a uma liberdade de fazer escolhas e de, ao mesmo tempo, não precisar justificá-las. O aborto é entendido como liberdade de escolha, mas escolha que precisa ser velada. Assim, apesar de uma fala progressista com relação à prática do aborto, o discurso está inserido em um contexto social de coerção que impede as mulheres de sustentarem essa fala.

Além disso, apesar do entendimento do aborto como liberdade de escolha, foi possível perceber componentes de culpa por não refletirem o ideal construído socialmente da “boa mãe”.

Também ficou evidente a importância de darmos voz às mulheres, inseri-las e ouvi-las nos debates sobre o aborto e sobre a autonomia reprodutiva, pois precisamos nos aproximar da forma singular como essas temáticas atravessam cada mulher influenciando a forma como cada uma irá vivenciá-las.

 

Como a Psicologia pode contribuir para promover a compreensão que o aborto é processo de escolha e autonomia da mulher?

Inserindo-se mais nos espaços de discussão, promovendo a reflexão junto às mulheres e profissionais de saúde sobre direitos sexuais e reprodutivos, reconhecendo o tema como parte integrante do direito à saúde. Entendo o potencial que a psicóloga (o) pode ter nessa discussão, por ser profissional da relação e do cuidado, que pode facilitar o esclarecimento sobre valores e de como estar aberto a ouvir o outro. Também é importante seu conhecimento sobre os direitos que integram o cuidado em saúde e de como esses direitos afetam o acolhimento às essas mulheres no dia a dia dos serviços. Desse modo, a Psicologia pode ajudar a conscientizar e mobilizar os profissionais de saúde para lidarem com o tema do aborto, seja discutindo valores morais e religiosos diante das suas responsabilidades ético-profissionais, seja respaldando as mulheres em suas escolhas.

Leia a íntegra do artigo “Percepções de mulheres que vivenciaram o aborto sobre autonomia do corpo feminino.