Iniciamos o mês de setembro com o alerta para a prevenção ao suicídio. O tema é complexo e considerado tabu em diversas sociedades, não sendo discutido abertamente e muitas vezes silenciado. Ao ser considerado como um problema do sujeito individual, não é reconhecido como questão de saúde pública. Em função disso, as ações voltadas à prevenção não ocorrem de forma adequada, muitas vezes sem considerar a natureza multideterminada do fenômeno e a garantia de aporte multi e interdisciplinar.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) compreende que o papel de cada profissão da saúde é fundamental no auxílio aos indivíduos em qualquer condição de sofrimento mental, bem como nos respectivos processos de avaliação e intervenção.
Dados recentes apontam que, a cada ano, cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio e um número ainda maior de indivíduos atenta contra a própria vida. O suicídio foi a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo no ano de 2015. Pesquisas evidenciam que 78% dos suicídios ocorreram em países de baixa e média renda. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam o Brasil como oitavo país do mundo em suicídios. Também se constatam taxas elevadas de suicídio em grupos vulneráveis que sofrem discriminação, como refugiados e migrantes; indígenas; lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI); assim como entre pessoas privadas de liberdade.
Esse cenário estatístico preocupante motivou a OMS a colocar o tema como prioridade na agenda global de saúde pública, incentivando os países a adotarem estratégias de prevenção com abordagem multisetorial, de forma a quebrar estigmas e tabus que ainda persistem. O primeiro relatório sobre suicídio da OMS “Prevenção do suicídio: um imperativo global”, publicado em 2014, tem como objetivo conscientizar sobre a importância da atenção ao suicídio e às tentativas de suicídio para a saúde pública e de fazer da prevenção uma alta prioridade na agenda global de saúde pública. O documento incentiva e apoia os países a desenvolverem ou reforçarem estratégias de prevenção em uma perspectiva interprofissional e multisetorial.
O assunto também é uma das condições prioritárias do “Mental Health Gap Action Programme/mhGAP”, programa de saúde mental da OMS, que fornece aos países orientação técnica baseada em fundamentos científicos para ampliar a prestação de serviços e cuidados para transtornos mentais e de uso de substâncias. No Plano de Ação de Saúde Mental 2013-2020, os Estados-Membros da OMS comprometeram-se a trabalhar o objetivo global de reduzir as taxas de suicídios dos países em 10% até 2020.
Constata-se ainda que o uso de psicotrópicos nos últimos anostem sido crescente e que o índice de medicalização, particularmente no Brasil, é expressivo. Segundo dados do Conselho Federal de Farmácia, o país está entre os dez que mais consomem medicamentos no mundo. Também cabe destacar que atualmente muitas situações cotidianas vêm sendo patologizadas, o que retrata o crescente processo de medicalização da vida, transformando toda e qualquer dimensão social em uma dimensão exclusivamente orgânica.
Apesar dos dados apontarem para uma sociedade altamente medicalizada, o número de casos de suicídio vem aumentando de forma alarmante, evidenciando uma incoerência: o alto quantitativo de indivíduos que fazem o uso de medicação não corresponde a uma baixa no quantitativo de pessoas que apresentam ideação suicida. Embora a medicação possa constituir-se parte importante do tratamento, é necessário compreender que o seu uso, por si só, não equivale a um tratamento completo para o sujeito em sofrimento. Ao contrário, o uso inadequado ou indiscriminado de medicamentos pode resultar em graves consequências à saúde dos usuários, ou ainda levar à dependência.
No panorama sobre o suicídio, há de se refletir, ainda, que o atual cenário político aponta para um retrocesso no Plano Nacional de Saúde Mental, ensejando um retorno à lógica manicomial e medicalizante, que vai de encontro a uma série de conquistas já implementadas no âmbito da Reforma Psiquiátrica Brasileira e mundial. O movimento possibilitou o redirecionamento do modelo de Atenção à Saúde Mental, transferindo o foco do tratamento que se concentrava na instituição hospitalar, para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos. Em contrapartida, as alterações recentemente implementadas têm reorientado as políticas públicas, cada vez mais, para a alienação e o asilamento, retirando das pessoas que sofrem com os agravos à saúde mental seus direitos fundamentais.
Cabe ao CFP defender a seriedade dos tratamentos de saúde mental a partir de todo o escopo teórico já acumulado pela Psicologia e outras profissões relacionadas, visando a implementação tratamentos efetivos e em consonância com a evolução de pesquisas científicas realizadas em todo o mundo.
Tendo por base o respeito aos Direitos Humanos, à liberdade e à cidadania, no âmbito do comprometimento ético, o Conselho tem atuado em defesa de um tratamento humanizado das pessoas com sofrimento mental, rememorando que, como cidadãs, estas têm direitos fundamentais à liberdade, a viver em sociedade, bem como ao cuidado e tratamento adequados.
Para esta Autarquia, a atuação de psicólogas e psicólogos na prevenção ao suicídio deve extrapolar as intervenções estritamente individuais e buscar a compreensão das condições de vida que podem contribuir para produzir sofrimentos mentais intensos. O papel da Psicologia é acolher e ressignificar esses sofrimentos, a partir do entendimento de como são produzidos nas instâncias sociais, históricas e culturais, sempre em diálogo com outros campos do saber.
O profissional de Psicologia, além de ter sua atuação sempre pautada pela observância ao Código de Ética Profissional do Psicólogo e às demais normativas correlatas à profissão, também deve considerar a autonomia, o campo de atuação e a delimitação das especificidades de outras profissões, procedendo, sempre que for necessário, o direcionamento das respectivas demandas às (aos) profissionais habilitadas (os), nos casos que extrapolem seu campo de atuação, isto de forma a zelar pela saúde física e mental das pessoas atendidas.
Por fim, enfatizamos o compromisso ético de todas as profissões da saúde com a promoção do desenvolvimento e bem-estar da população.