É com profunda tristeza e indignação que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e sua Comissão de Direitos Humanos lamentam o assassinato brutal e trágico de Maria Bernadete Pacífico Moreira, no dia 17 de agosto de 2023, com disparos de arma de fogo. Com 72 anos, mulher negra, mãe, avó, Yalorixá, líder do Quilombo Pitanga dos Palmares e coordenadora nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), Bernadete Pacífico atuava há décadas pelo direito dos povos quilombolas no Brasil.
Longe de ser apenas uma estatística, o brutal assassinato de Bernadete Pacífico acirra discussões complexas acerca do assassinato das(os) defensoras(es) dos Direitos Humanos no país. O Brasil segue um dos países que mais mata ativistas sociais, ocupando o 4° lugar, segundo o Relatório Anual promovido pela Anistia Internacional, com 156 países. De acordo com o documento, entre janeiro e julho de 2022, a Comissão Pastoral da Terra registrou 759 ocorrências violentas, abrangendo o total de 113.654 famílias e 33 assassinatos em conflitos relacionados à terra em áreas rurais do país.
Mãe Bernadete, como era conhecida, foi porta-voz de denúncias de violência e pedidos de paz em seu território em Simões Filho/BA. A ativista lutava por justiça pela morte do seu filho Flávio Gabriel dos Santos, “Binho do Quilombo”, que foi assassinado em 2017 nas imediações do Quilombo Pitanga dos Palmares. Apesar de sua insistente e combatente luta, nenhum dos suspeitos pela morte de Binho foi preso.
Há cerca de dois anos, Mãe Bernadete havia sinalizado às autoridades da segurança que estava sendo constantemente ameaçada, o que se desdobrou na inclusão da líder quilombola na proteção policial através da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH) do estado da Bahia. No entanto, seu advogado anunciou que a proteção se resumia à visita de uma viatura da Polícia Militar por dia, o que não configura proteção à altura das ameaças que vinha sofrendo e, infelizmente, não foi suficiente para assegurar sua proteção.
O assassinato de Mãe Bernadete se soma às centenas de assassinatos que envolvem os direitos dos povos tradicionais à terra, à sobrevivência, como direitos humanos assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que deveriam ser resguardados pelo Estado, sobretudo pelo histórico do Brasil em seu genocídio do povo negro, quilombola.
A morte de Bernadete Pacífico e de tantas(os) outras(os) pessoas pertencentes às comunidades tradicionais e defensores dos Direitos Humanos não pode, de forma alguma, passar despercebida pela Psicologia, que tem como compromisso assumido em seu Código de Ética:
- O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qua- lidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005, p.7)
Em um país marcado pela colonização que ceifou incontáveis vidas de pessoas negras e indígenas em nome de invasões de terra, o assassinato de Mãe Bernadete atualiza a luta inegociável pelos direitos das comunidades tradicionais à terra. O Conselho Federal de Psicologia compreende como fundamental a política de reparação do Estado e respeito aos Direitos Humanos de populações, que sofrem na pele as agruras do racismo, do classismo, da degradação do meio ambiente e dos crimes pelos conflitos para proteção dos seus territórios. Dessa forma, é papel da Psicologia brasileira se posicionar em defesa do direito à vida e ao território dos povos tradicionais que historicamente vêm sendo alvo de violências incontáveis e plurais.
Neste momento de dor, pesar e denúncia, manifestamos nossa solidariedade à família, amigas e amigos e ao povo quilombola e de terreiro, por esta perda inestimável.
Ao Estado brasileiro, fazemos coro aos pedidos de justiça pela vida de Yá Bernadete Pacífico e de todas as vidas negras, quilombolas e indígenas ceifadas pelo projeto colonial do país.