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10/03/2017 - 17:11

Artigo da semana: Possibilidades da escuta psicanaliticamente orientada no âmbito da Defensoria Pública

Pesquisa se baseia em prática de estágio de estudantes da UFMT na Defensoria Pública

Artigo da semana: Possibilidades da escuta psicanaliticamente orientada no âmbito da Defensoria Pública

Reflexão sobre a função da escuta psicanalítica em um contexto no qual os pedidos de ajuda precisam ser traduzidos em demanda jurídica. A experiência sobre a qual se baseia esta reflexão resulta da prática de estágio de alunos do último ano do curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) na Defensoria Pública do Estado.

O artigo desta semana, “As Possibilidades da Escuta Psicanaliticamente Orientada no Âmbito da Defensoria Pública”, publicado na edição 36.4 da Revista Psicologia: Ciência e Profissão, é assinado pelas pesquisadoras Vera Lucia Blum, doutora pela Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e Pâmela Cristina da Rocha, psicóloga formada pela Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT).

O CFP publica todas as semanas um artigo da revista (a versão eletrônica está na SciELO) no site e nas redes sociais. É uma forma de a autarquia disseminar o conhecimento científico para a categoria e a sociedade.

Escuta Psicanalítica 

De acordo com Blum e Rocha, o artigo parte da hipótese de que por trás do pedido de garantia de direitos se encontram conflitos de interesses, sinalizado por certa dificuldade de quem pede ajuda ao Estado para lidar com os impasses resultantes dos (des)encontros com a alteridade. É essa hipótese que justifica as ideias psicanalíticas mobilizadas no texto.

As autoras dizem que a prática dos estagiários de Psicologia, que estimula o fluxo enunciativo do conflito, parece se contrapor à prática dos operadores do Direito, que precisam circunscrever os conflitos em termos jurídicos. Entretanto, a experiência tem sinalizado que a escuta psicanalítica, ao promover a circulação da palavra, trabalha no sentido de fazer emergir um sujeito que responde por sua situação, na perspectiva de que a solução técnico-jurídica dada ao conflito possa produzir efeitos de cidadania.

Em entrevista à Assessoria de Comunicação do CFP, Vera Blum contou mais detalhes da pesquisa.

 

Qual a importância do tema?

O artigo resulta das reflexões sobre a prática de estágio de alunos do último ano do curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso na Defensoria Pública do Estado (DFMT). Durante a prática, e a partir das discussões realizadas em supervisão, despontaram questões sobre a inserção da Psicologia, em particular, da Psicanálise, no ambiente institucional e também sobre os encontros e desencontros com a prática dos profissionais do Direito.

Por ocasião dessas reflexões, a instituição contava somente com profissionais do Direito. Sem uma referência local do exercício profissional do psicólogo na Defensoria, a inclusão dos estagiários de Psicologia configurou uma prática inaugural e instituinte, em que a especificidade do trabalho do psicólogo foi se construindo na diferença com o trabalho dos operadores do Direito em questões relacionadas à área da família. É essa especificidade que o artigo procura refletir.

 

Quais os resultados do levantamento? 

Com a prática iniciada e a produção do trabalho, marca-se o lugar da Psicanálise na Defensoria Pública não como um lugar fixo e imóvel, mas de trânsito e de circulação da palavra, dos afetos e do pensamento que possibilitam, por meio da escuta, a emergência do sujeito diante do conflito que o levou até a instituição. Delineado o campo operacional da experiência, procurou-se elucidar as dimensões ética e teórica nas quais a prática do estágio está assentada. Essas dimensões dizem respeito à ética da escuta psicanalítica e à ética da responsabilidade, que são as balizas orientadoras do trabalho do psicanalista quando ele é solicitado a fazer parte de uma instituição não dedicada à prestação de serviços psicoterapêuticos. Não sendo exercida em consultório, a escuta psicanalítica é também convocada pelo contexto institucional no qual se efetiva, o que a compele a se interrogar enquanto prática institucional em meio a outros agentes. Assim destaca-se a construção da Psicanálise enquanto prática possível e efetiva na instituição, baseada na ética que a orienta. Essa prática foi sendo legitimada e resultou na criação do Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública de Mato Grosso (CAM/DPMT). Além disso, duas psicólogas foram contratadas por concurso público estadual e os estágios agora são regulados como atividade de extensão universitária.

 

Como a escuta psicanalítica pode orientar casos das Defensorias Públicas? 

Percebe-se nas áreas civil e familiar do Direito forte incentivo às práticas de mediação, arbitragem e conciliação, que vêm reconsiderando a proposição de processos na Justiça que não levam em conta a possibilidade de acordo no conflito. Versando a Psicanálise sobre um conflito (interno), ela convida o sujeito a se escutar e pensar sobre a posição subjetiva ocupada no conflito interpessoal e, muitas vezes, interno. Não visando a um acordo, mas à emergência do sujeito, a Psicanálise trabalha na perspectiva da produção de efeitos de cidadania a partir das soluções jurídicas encontradas. Esta postura, que mobiliza encontros e desencontros com o Direito, vem sendo exercida e tem possibilitado a ampliação do trabalho aos demais campos da instituição, como na área criminal da DPMT. Assim, a busca pelo Direito não impede o manejo psicanalítico da demanda e caracteriza o que conhecemos por clínica ampliada a compor um campo fértil para a produção teórica e prática.

Leia a íntegra do artigo.