No Brasil, falar da psicologia é falar, de modo geral, de um fazer de mulheres. As mulheres representam quase a totalidade dos profissionais da área (89%), entretanto, ainda não acessam de forma plena o reconhecimento e a igualdade pela qual lutam há muitos anos. Assim, falar sobre os direitos humanos das mulheres em nossa sociedade significa tomar posição de luta pela igualdade de direitos e dignidade.
A luta pela garantia dos direitos fundamentais das mulheres e sua igualdade perante o homem logrou um importante número de vitórias, que se espraiam sobre a sociedade como um todo. A igualdade de gênero é mais um anseio do que um fato. É uma construção na luta por uma sociedade de direito e justa.
A Psicologia, reconhecida como uma profissão de mulheres, carrega a marca das desigualdades sociais e da discriminação presentes na sociedade. Destacam-se, dentre elas, as diferenças nas remunerações e qualificação no ambiente de trabalho; a existência do “teto de vidro” nas empresas que impede a ascensão profissional das mulheres, em detrimento de um discurso de igualdade de oportunidades; situações de violência doméstica e familiar. A Psicologia, como ciência e profissão, por sua vocação de defensora e promotora dos direitos humanos, não deixa de problematizar a mulher e sua inserção nos mais diversos contextos.
Em 2013, a pesquisa publicada pelo Conselho Federal de Psicologia intitulada “Quem é a psicóloga brasileira” indicou que uma em cada quatro psicólogas já sofreu alguma forma de violência. Entre as que trabalham, somente 15% recebem remuneração acima de 10 salários mínimos, a despeito da elevada exigência de qualificação. As mulheres negras são marcadas duas vezes, pois recebem ainda menos. Constatou-se ainda que parcela considerável trabalha em período parcial e que quase a metade não vive em companhia de um parceiro. Soma-se a isso o fato de que apenas uma minoria conta com a ajuda do companheiro no auxílio às tarefas domésticas.
É neste entendimento que a psicologia se posiciona na defesa dos direitos humanos das mulheres. A violência contra a mulher acompanha os primórdios da organização social humana. Sendo alvo de violência dentro do próprio lar – que culminam, por vezes, em óbito (feminicídio) -, as mulheres dispuseram, em sua história, de poucos meios para fazer frente às formas de injustiça às quais eram submetidas.
As mudanças sociais dos séculos XX e XXI favoreceram as lutas pela emancipação das mulheres. A maior escolarização da mulher e sua inserção no mercado de trabalho tornaram visível a violência reservada ao ambiente doméstico. A Constituição de 1988, dita cidadã, é um marco legal fundamental pela luta pelos direitos da mulher. Nela fica explícito que homem e mulheres são iguais. Essa igualdade não significa desprezo às diferenças, mas sim considera-las em um contexto de dignidade humana.
Outro marco fundamental foi a reforma do Código Civil, que trouxe o fim da lei do adultério e da legítima defesa da honra. Mais recentemente, a Lei 11.340 de 2006, conhecida como a “Lei Maria da Penha”, estabeleceu mecanismos para coibir a violência contra a mulher, criando verdadeira inovação no campo jurídico brasileiro. Além de caracterizar nova espécie de crime contra a mulher, a lei assegura a assistência em situação de violência doméstica ou familiar.
Para além da inserção maciça no mercado de trabalho, as mulheres conquistaram espaço representacional. Destaca-se a inserção da mulher no processo eleitoral, posto que a ela foi concedido o direito de votar e ser votada, além da garantia, por meio de lei, de reserva de 30% das vagas para candidatura de mulheres nos partidos políticos.
Embora existam sinais claros de conquistas para as mulheres, os avanços aqui elencados não representam o fim da luta por igualdade. As mulheres continuam sub-representadas. No cenário político, segundo dados recentes, elas representam pouco mais de 10% das candidaturas para chefe do Executivo nos Estados [fonte: EBC; http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-08/reserva-de-vagas-para-mulheres-nao-traz-resultado-nas-urnas-dizem].
Em relação à violência doméstica, dados da Secretaria de Transparência do Senado e do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada –, revelam que aproximadamente 99% das mulheres já ouviu falar na Lei Maria da Penha. No entanto, estima-se que 19% da população feminina pesquisada já sofreu algum tipo de agressão.
Por conseguinte, faz-se urgente e necessário repensar a inserção das mulheres no trabalho, na família e na sociedade, bem como entender de que modo os processos de dominação e exclusão se materializam nestes espaços, como alternativa possível para um futuro isento de preconceitos e práticas discriminatórias.
O Conselho Federal de Psicologia, na semana de comemoração do Dia da (o) Psicóloga (o), no mês de aniversário de oito anos da promulgação da Lei Maria da Penha, vem a público manifestar os anseios por uma sociedade igualitária, com livre circulação das mulheres nos diversos contextos e profissões, livre de conceitos que remetam à dominação, violência, estereótipos, preconceito, discriminação. Como profissionais da Psicologia, escolhemos e lutamos pela diversidade, pluralidade, liberdade, igualdade, dignidade e respeito como marcos deste encontro proposto entre as mulheres, a Psicologia e os direitos humanos.