Buscar a Psicologia além da clínica, pautada na biomedicina, sob a perspectiva dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e de abordagens críticas foram os objetivos do artigo “Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia Social”, de autoria das pesquisadoras Marcela Spinardi Cintra e Marcia Hespanhol Bernardo, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas/SP). O texto foi publicado na edição 37.4 da revista Psicologia: Ciência e Profissão.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) publica artigos da revista no site e nas redes sociais – a versão eletrônica da Psicologia: Ciência e Profissão está na SciELO – para disseminar o conhecimento científico para a categoria e a sociedade.
As pesquisadoras explicam que a proposta foi conhecer as práticas de três psicólogos da atenção básica de saúde de Campinas (SP), buscando identificar seus fundamentos e se estão de acordo com a Psicologia Social Crítica.
Os resultados do estudo indicam que o posicionamento ético-político do profissional e uma formação voltada para a atuação no Sistema Único de Saúde (SUS) são fundamentais para uma atuação crítica e contextualizada. Mostram, ainda, que o trabalho realizado além dos centros de saúde tem grande relevância e é nele que as relações estabelecidas com os conceitos da Psicologia Social Crítica ficam mais evidentes. Consideram, ainda, a importância da reflexão de profissionais sobre suas próprias ações, além da busca por práticas inovadoras que possam ser incluídas nas políticas públicas de saúde.
Marcela Cintra e Marcia Bernardo dão mais detalhes da pesquisa nessa entrevista.
Qual o motivo para o estudo?
A ideia de realizar a pesquisa sobre esse tema surgiu de uma experiência de uma das autoras (Marcela) em uma unidade básica de saúde em 2014. Realizei um estágio em uma unidade básica de saúde em uma cidade do interior de São Paulo e isso me trouxe muitas dúvidas e certezas. Estava em um ano de descobertas de formas de atuação do psicólogo em outros espaços, fora da clínica, e achei esse um local muito interessante para o psicólogo realizar seu trabalho. Mas as dúvidas ainda eram muitas, principalmente, porque via uma imensa fila de espera em busca de atendimento psicológico que nunca era cessada, além do sentimento de que os psicólogos poderiam fazer muito mais pela comunidade como um todo. Havia, ainda, um discurso muito enraizado de que os atendimentos clínicos individuais eram a principal, senão única, forma de o psicólogo realizar seu trabalho. Assim, tivemos a ideia de apresentar outras formas de se fazer Psicologia, que tivessem como referência princípios de uma Psicologia Social Crítica, sabendo que existem diversos profissionais que buscam uma atuação mais contextualizada e que embasam suas práticas em conceitos e princípios do SUS.
Quais os resultados do levantamento?
Acreditamos que existem dois resultados que merecem destaque. O primeiro deles é o referente à atuação dos psicólogos que participaram dessa pesquisa. Todos eles buscam atuar – como eles mesmos dizem – “no território”, buscando sair do espaço tradicional da Psicologia, no qual o usuário vem para ser atendido em um “consultório”, para adentrar no espaço do outro, seja na sua casa como também na própria comunidade. Já o outro resultado aborda a questão da formação e do posicionamento ético-político dos psicólogos, que devem ter o olhar, durante a graduação, focado nas políticas públicas de saúde, já que as práticas adotadas mais tarde vão depender de concepções éticas e políticas adotadas pelos psicólogos.
Acreditamos que a Psicologia Social Crítica é uma das possibilidades de embasamento teórico para uma atuação mais contextualizada, fazendo com que os estudantes possam voltar seus olhares para a questão social. Assim, é importante ter uma visão crítica e não naturalizante em relação ao seu próprio trabalho, com constantes reflexões, levando em conta os contextos macro e microssociais em que estão inseridos.
Quais as contribuições da Psicologia para uma formação crítica nas políticas públicas de saúde?
Durante a graduação, seria interessante ter espaço para que as políticas públicas sejam apresentadas e discutidas, o que levaria o profissional a ter um olhar mais atento sobre essas questões. Também é importante ter momentos de reflexão sobre a sua atuação, o que possibilita um fazer mais contextualizado com o espaço em que se está inserido. É válido ressaltar que o envolvimento com questões que permeiam a sua própria profissão – como podemos ver a participação dos psicólogos em reinvindicações por melhorias em seu trabalho – também devem ser consideradas, pois coloca em debate tanto a política de saúde como um todo como sua própria atuação. A reflexão sobre novos fazeres que afloram o lado criativo permite que os psicólogos saiam de seus lugares tradicionais rumo a uma prática socialmente comprometida. Mesmo sabendo da dificuldade de práticas inovadoras, elas são importantes para um cuidado em saúde.