Notícias

23/08/2006 - 10:27

Brasil tem condenação inédita na OEA

Governo terá de pagar indenização à família de doente mental morto em clínica conveniada ao SUS no Ceará

Pela primeira vez, o Brasil foi condenado por violações contra os direitos humanos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). O motivo foi a morte de um portador de transtorno mental numa clínica conveniada ao Sistema Único de Saúde em 1999. Com isso, o País terá de pagar uma indenização de US$ 146 mil à família, além de assegurar a punição dos responsáveis e investir em mudanças no atendimento psiquiátrico.

Damião Ximenes Lopes tinha 30 anos quando foi internado por sua mãe, Albertina Lopes, na Clínica de Repouso Guararapes, em Sobral, interior do Ceará. Ele havia tido um “problema nervoso”, segundo o processo. Não comia nem dormia, mas não tinha ferimentos. Três dias depois, quando foi visitá-lo, Lopes estava sangrando, cheio de hematomas, com as roupas rasgadas e as mãos amarradas atrás das costas. Ele morreu no mesmo dia.

O Ministério Público denunciou o proprietário e funcionários da clínica. Devido à falta de resultados e de julgamento, a família recorreu ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), que pediu informações às autoridades de saúde e observou irregularidades na investigação. A clínica foi descredenciada após constatação de maus-tratos e abuso sexual dos pacientes. Uma junta interventora entrou na instituição. “Fui atrás de pessoas internadas, de famílias com outras mortes. Todo mundo tinha medo. Mas eu conhecia os meus direitos e fui atrás. É a única maneira de conseguir Justiça”, diz a irmã de Lopes, Irene Ximenes.

Foi ela quem reuniu organizações e levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A falta de resposta do Brasil fez com que o caso fosse para a corte. Na sentença divulgada ontem, os juízes afirmam que o País cometeu várias violações: contra o respeito e garantia aos direitos humanos, contra a integridade pessoal da vítima e sua família e contra as garantias e proteções judiciais às quais eles tinham direito.

“A decisão vai repercutir internacionalmente e na estrutura brasileira, tanto de saúde quanto judicial, porque responsabiliza o Estado pela fiscalização de seus convênios e pelo que acontece lá dentro”, explica um dos responsáveis pela assessoria jurídica à família de Lopes, o advogado James Cavallaro, vice-presidente da ONG Justiça Global e diretor do Programa de Direitos Humanos da Universidade de Harvard.

O Ministério das Relações Exteriores, que representou o Brasil no julgamento, afirmou, em uma nota, que “o Estado brasileiro já está estudando as formas necessárias para dar pleno cumprimento a todos os itens da sentença da corte. No que diz respeito, especificamente, à garantia de maior celeridade à ação penal, está sendo constituído grupo (…) para agilizar este e outros processos judiciais”.

A corte é uma instituição autônoma criada para aplicar a Convenção Americana de Direitos Humanos, conjunto de normas do qual o Brasil é signatário, ficando sujeito às determinações impostas e sendo obrigado a cumpri-las. Até agora, o País havia recebido somente pedidos para adotar medidas cautelares (leia box ao lado).

No entanto, mesmo com os avanços no sistema psiquiátrico brasileiro e a reforma implementada nos últimos anos para eliminar os manicômios e criar centros menores de atendimento psiquiátrico, voltados para reabilitação dos pacientes, outros casos semelhantes podem chegar à corte.

“Foi uma vitória para a luta antimanicomial. Mas o Estado continua não sendo capaz de garantir a integridade dos pacientes nos hospitais psiquiátricos e há outros casos como esse, que estamos denunciando há tempos, mas continuam acontecendo por falta de fiscalização e punição”, diz Marcos Vinícius de Oliveira, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, uma das instituições que acompanharam o caso de Lopes.

Oliveira cita, como exemplo, a morte de um paciente em Pernambuco no início da semana, de maneira ainda não explicada, e o caso de duas adolescentes que morreram carbonizadas em um hospital do Rio Grande do Sul há dois meses.

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo – 19/08/06 – VIDA&