O Conselho Federal de Psicologia (CFP) sediou em 19 de setembro, com a participação do presidente da entidade, Pedro Paulo Bicalho, o lançamento do Relatório Nacional de Inspeções População LGBTI+ Privada de Liberdade no Brasil.
Fruto de colaboração entre o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e a organização não-governamental Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade, com o apoio de organizações da sociedade civil de referência na defesa dos direitos de pessoas LGBTIQIA+ e de pessoas privadas de liberdade, o documento apresenta o diagnóstico sobre a situação da população de lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e intersexuais encarcerada no Brasil.
“A violência e morte da população LGBTQIA+ não é diferente no cárcere, ao contrário, as pessoas privadas de liberdade sofrem um processo ainda mais doloroso e de vulnerabilidade quando aprisionadas. Por isso, o MNPCT verificou a necessidade de uma inspeção nacional com foco nessa população, pois é preciso considerar que estamos tratando, aqui, da interseção entre duas questões fortemente atacadas pelo pensamento conservador e pela agenda necropolítica brasileira: a questão prisional e a questão das dissidências sexuais e de gênero”, aponta o relatório.
Segundo o presidente do CFP, o levantamento dialoga concretamente com as reais necessidades de se evidenciar a tortura que cotidianamente vitima a população LGBTQIA+ do país. Além disso, ao destacar os horrores das condições a que estão submetidas as pessoas LGBTQIA+ sob privação de liberdade, é possível dialogar e enfrentar as políticas que, por vezes, pretendem mais aprisionamentos que liberdade. “Essas políticas estavam presentes em muitas outras formas desde a construção desse país, e evidenciar isso nesse relatório é da mais profunda importância”, frisou Pedro Paulo.
Bárbara Coloniese, integrante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e coordenadora nacional da inspeção, pontuou que o levantamento foi fruto de ampla articulação com a sociedade civil. “Eu gostaria muito de agradecer a todas as pessoas privadas de liberdade pela coragem do enfrentamento de tanta violência dentro e fora do cárcere e, ainda assim, terem forças para lutar por um mundo sem violência”, salientou.
Ao explicar o processo de organização das inspeções, Caio Klein, da organização Somos, pontuou que o relatório “revela, a partir de uma amostragem, as tendências daquilo que mais se repete quando a gente fala do aprisionamento dessa população”.
Representando a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), entidade que integrou a inspeção em diversas unidades federativas, Bruna Benevides chamou atenção para o desmonte das políticas direcionadas à população LGBTQIA+, frisando a importância do relatório para dar visibilidade às questões que permeiam o cotidiano dessas pessoas no contexto do sistema prisional. “Os dados denunciam que nós temos uma maioria de população [encarcerada] por crimes de menor potencial ofensivo, por crimes que, sequer, foram julgados e que poderiam ser responsabilizados por meio de outros regimes”, acrescentou.
Contribuições da Psicologia
O Relatório Nacional de Inspeções População LGBTQIA+ Privada de Liberdade no Brasil conta com um capítulo escrito pelo presidente do CFP. No texto “A tortura como política de ordem a corpos LGBTQIA+”, Pedro Paulo Bicalho destaca que, em nome “da ordem”, que se apresenta como uma entidade necessária à proteção social, mata-se e, também, obriga-se a viver de maneiras muito específicas.
“A conquista da cidadania plena das pessoas LGBTQIA+ pode significar outros projetos de humanidade em que as orientações sexuais não-heteros-sexuais e as identidades de gênero não-cisgênero sejam de fato reconhecidas. Uma efetiva política de enfrentamento à tortura precisa produzir mundos capazes de escutar e respeitar demandas coletivas e singulares, não impondo formas únicas de vida”, afirma.
Metodologia e principais situações identificadas
O Relatório Nacional de Inspeções População LGBTI+ Privada de Liberdade no Brasil realizou visitas a 12 estados brasileiros: Santa Catarina, Sergipe, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rondônia, Goiás, São Paulo, Pará, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Mato Grosso do Sul.
O levantamento contou com a parceria da Associação de Prevenção à Tortura (APT), do Colégio Nacional dos Defensores Gerais (CONDEGE) e de um conselho consultivo formado por organizações da sociedade civil de referência na defesa dos direitos de pessoas LGBTQIA+ e de pessoas privadas de liberdade.
O estudo investiga questões relacionadas à estrutura física; respeito às dissidências sexuais e de gênero; acesso à alimentação adequada, à água e a insumos de higiene; acesso à saúde; acesso à educação, ao trabalho e ao atendimento jurídico; acesso à visitação; contato externo e relações afetivas internas; maus tratos, tratamentos cruéis, desumanos, degradantes e tortura.
Entre os achados, uma grave constatação: em todas as unidades inspecionadas, sem exceção, foram relatados episódios relacionados a preconceito e discriminação. Outro dado alarmante é que as pessoas LGBTQIA+ nunca são completamente respeitadas pelos profissionais da equipe técnica e pelos policiais penais ou agentes penitenciários. Também foi verificado que as pessoas LGBTQIA+ nunca possuem todos os atendimentos técnicos de que gostariam, incluindo não terem atendimento de saúde para necessidades imediatas.
Acesse a íntegra da publicação.
Confira aqui as fotos do lançamento do relatório.