Usar o desenho Monster High, que tem como personagens principais “estilosas” meninas monstros, filhas de personagens famosos e horripilantes, como Drácula, Frankenstein, Medusa, entre outros (as), como forma de discutir o modelo feminino na contemporaneidade. Além disso, buscar reflexões referentes ao modelo feminino proposto pelas bonecas: se realmente há mudanças ou demonstra apenas uma transformação de fachada, roupagem e estilo dos personagens, com a mera finalidade de acelerar as vendas para um público cada vez mais ávido de novidades.
Essas e outras reflexões estão presentes no artigo “Monster High e o Modelo de Feminilidade na Atualidade”, das autoras Juliana Speguen do Canto (psicóloga, graduada pela Universidade Luterana do Brasil – Ulbra, Torres-RS) e Mercês Sant’Anna Ghazzi (mestre em Psicologia Clínica pela PUC-RS e professora do Curso de Psicologia da Faculdade São Francisco de Assis, Porto Alegre-RS), publicado na edição 36.3 da Revista Psicologia: Ciência e Profissão.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) publica em seu site e nas redes sociais, todas as semanas, um manuscrito do periódico, cuja versão eletrônica se encontra na plataforma SciELO. Assim, a autarquia intensifica a busca pelo conhecimento científico, a fim de expandir o alcance de conteúdos acadêmicos para a categoria e para a sociedade.
Modelo de Feminilidade
As autoras buscaram demonstrar os resultados de uma pesquisa de campo voltada à investigação do modelo de feminilidade presente nas personagens do desenho Monster High, com base na teoria norteadora da Psicanálise. Como metodologia de investigação, foi realizado um grupo focal com meninas entre oito e nove anos de idade, buscando nas conversas averiguar a influência dessas personagens na constituição da feminilidade das crianças que a elas têm acesso.
As autoras apontam que a análise dos dados possibilitou a reflexão sobre o quanto o padrão cultural, que se inova a cada geração, impulsionado pelo mercado de consumo, reflete no modo de brincar das crianças. As empresas constantemente investem na atualização de seus produtos para responder às exigências dos novos tempos, em que o padrão de mulher relacionado à fragilidade e à maternidade perde espaço para ousadia, inovação e possibilidades de escolha diferenciadas, o que não conduz, necessariamente, à perda da feminilidade.
As pesquisadoras do Rio Grande do Sul concluem que as Monster High oferecem várias possibilidades de identificação às meninas, o que conduziu a uma reflexão sobre as opções que ofertam, tanto de diferenciar-se de um modelo proposto pelos pais, realizando suas próprias escolhas, quanto de responder a ideais inconscientes, presentes tanto na família quanto na cultura da atualidade.
Para abordar um pouco mais essas e outras questões da pesquisa, a Assessoria de Comunicação do CFP conversou com Juliana Speguen, uma das autoras do artigo.
Confira a entrevista
O que as motivou a fazer a pesquisa sobre esse tema?
O principal motivo que nos levou a pesquisar sobre o modelo proposto pelas Monster High foi o questionamento sobre como as meninas estavam percebendo o que era proposto tanto pelos desenhos como pelas bonecas, no que se refere aos traços relativos à feminilidade. Em geral, as Monster apresentam um estilo que difere dos referenciais da maioria das mães e pais destas crianças, seja na forma de se vestir como de se portar. Além disso, marcam uma oposição aos padrões já estabelecidos, não somente do vestuário, mas na maneira de lidar com os conflitos que vão surgindo, nos relacionamentos afetivos, de amizade e também com os pais. As Monster abrem ainda possibilidade para o surgimento das diferenças identificatórias, já que nenhuma é igual a outra (como são as Barbies); cada uma tem suas características, herdadas de seus pais, mas reconstruídas por elas em seu estilo adolescente.
Quais resultados você destaca desse levantamento?
É possível destacar, a partir dos resultados obtidos na pesquisa, que as heroínas dos desenhos animados ocupam um lugar na identificação feminina. Com as transformações da nossa cultura, os desenhos acompanharam essa evolução, refletindo o que os novos tempos têm a nos oferecer e apostando em novas possibilidades identificatórias. Um dos aspectos diz respeito ao consumismo, pois as Monster, apesar de apostarem na questão da singularidade, são todas muito referenciadas ao feminino, com muitos adornos, enfeites e uma gama de possibilidades para torná-las sedutoras e atraentes. Ou seja, consumir e desfrutar de tudo que é socialmente oferecido às mulheres, torna-se uma forma de garantir a identidade na constituição da feminilidade. Outro aspecto observado refere-se à importância do brincar enquanto resposta ao outro parental, possibilitando que a criança possa sair do lugar ideal, fazendo da fantasia um espaço para construir uma realidade diferente da sua, onde a ousadia e a diferença se apresentam como uma projeção de um “vir a ser” no futuro.
Na sua opinião, como a Psicologia pode contribuir na construção de modelos de feminilidade nos próximos anos?
Entendemos que a Psicologia tem muito a contribuir com as constantes transformações do tempo em que estamos imersos, bem como na discussão dos leques de processos identificatórios que se abrem no caldeirão cultural. No entanto, parece-nos importante marcar que, ao escutar as diferenças que emergem nos sujeitos, seja em relação às diversas formas de identificação sexual, seja no exercício da feminilidade, de forma aberta e respeitosa, estamos possibilitando o desdobramento das diferenças. O objetivo não é construir novos modelos, mas permitir o surgimento de formas diversificadas de ser do feminino, que possam estar marcadas tanto pelo que ainda persiste das identificações anteriores – maternas e ancestrais – quanto pelo que vem do novo, proposto pelas múltiplas diferenças e inovações presentes na cultura de nosso século.
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