Dando prosseguimento à política de ampliação do conhecimento científico, a fim de expandir o alcance de conteúdos acadêmicos para a categoria e para a sociedade, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) apresenta mais um artigo publicado na edição 36.2 da Revista Psicologia: Ciência e Profissão e lançado recentemente na plataforma SciELO. O texto desta semana é Desigualdades Raciais, Mérito e Excelência Acadêmica: Representações Sociais em Disputa. Toda semana, o Conselho publicará um artigo do periódico em seu site e nas redes sociais.
O artigo investiga sobre como, no Brasil, as formulações políticas e legais acerca das ações afirmativas de cunhos social e racial no ensino superior articulam e estão articuladas a partir de distintas representações sobre os sujeitos e os lugares que eles ocupam na estrutura social. “Partimos da breve caracterização dos dispositivos legais e das políticas implantadas a partir do século XX sobre o tema; analisamos a literatura que aborda as representações sociais sobre a recente implantação das políticas de ação afirmativa e, por fim, discutimos duas concepções opostas de ação afirmativa, a Lei de cotas e o PIMESP. Pontuamos que tais medidas respondem a diferentes formas de representar desigualdades, merecimento e excelência acadêmica”, aponta o resumo do manuscrito.
A Assessoria de Comunicação do CFP entrevistou Elisabete Figueroa dos Santos, professora da Universidade do Sagrado Coração (USC), que falou mais sobre a pesquisa. A outra autora do artigo é Rosimeire Aparecida Scopinho, professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).
Confira a entrevista:
O que as motivou a fazer a pesquisa sobre esse tema?
Instigadas pelo recente contexto de implementação de políticas afirmativas pró-negros, bem como pelo florescimento de propostas voltadas a este fim, propusemo-nos a refletir sobre os movimentos de defesa ou de contestação de medidas cujo horizonte seja a alteração do quadro de desigualdades raciais no Brasil e sobre como os desenhos destas políticas podem estar atrelados às representações que se constroem sobre o entendimento acerca da constituição racial brasileira, a determinação dos lugares historicamente forjados para os distintos grupos raciais e acerca da interferência do critério racial na prática de discriminação dos contingentes excluídos.
Nossa intenção, portanto, foi discutir, partindo da análise de formulações recentes e polêmicas sobre as ações afirmativas para a inserção de negros e negras nas universidades (PIMESP e Lei de Cotas), as distintas representações que são forjadas na esfera pública para a noção de mérito.
Quais os resultados que você destaca desse levantamento?
Verificamos formas díspares de representar o merecimento para o ingresso nas universidades. Sob o prisma meritocrático (que sintetizamos na proposição do PIMESP), a representação social de excelência acadêmica no ensino superior é ancorada no merecimento individual. Nesta perspectiva, os indivíduos são responsabilizados pelos seus desempenhos tanto quanto pelos déficits acumulados. As desigualdades, então, percebidas são localizadas de forma histórica e socialmente desconectada e, portanto, de modo unilateral.
Acredita-se, assim, que as desigualdades sociais e raciais são questões de pobres e negros. O papel desempenhado pelo lado do privilégio é silenciado. Já para a vertente expressa pela Lei de Cotas, as desigualdades verificadas nos resultados dos vestibulares, bem como no âmbito dos cursos de graduação, estão fortemente vinculadas às trajetórias de grupos sociais marcadas por vulnerabilidades ou privilégios de várias ordens, inclusive educacionais. Nesse contexto, questionamos e refletimos os modos pelos quais uma noção que não se sustenta científica, política e socialmente (mérito individual) ainda se faz tão presente nas representações acerca de quem deve ser o sujeito dos locais de prestígio social.
No que toca à noção de mérito utilizada nos Programas de Ações Afirmativas, é preciso desnaturalizar desempenhos que respondem mais a trajetórias sócio-históricas e culturais do que a merecimentos individuais encapsulados. Defendemos, assim, que o mérito baseado em desempenho individual só poderá ser considerado medida fidedigna de avaliação dos repertórios de estudantes se forem tomados como parâmetro sujeitos com históricos semelhantes de preparação para o exame vestibular (nesse caso, não cotistas competem com não cotistas e cotistas com cotistas). Em outras palavras, o mérito só pode estar em discussão quando se toma como referência sujeitos de igualdade, isto é, quando se avalia a disputa entre iguais.
Na sua opinião, o que precisa ser feito para darmos melhores condições para políticas de igualdade racial?
Assim, como apontado no artigo, é necessário partirmos do reconhecimento da insuficiência da meritocracia em designar aptidão para ingressar nas universidades ou em quaisquer outros contextos em que a presença de negros e negras tem historicamente se configurado como minoritária. Desta forma, talvez torne-se possível vislumbrar os arranjos que impedem a contemplação das diferenças e propor políticas efetivas de reconhecimento e validação das diversas formas de saber.
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