A superação de violências associadas ao racismo e a preconceitos étnicos tem sido o eixo central das ações promovidas neste ano pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do CFP em 2016, após os temas violência de Estado, de gênero e políticas sobre drogas. A edição 113 do Jornal do Federal traz um balanço escrito pela professora e coordenadora da Comissão, Vera Paiva, das principais ações do grupo nos últimos anos.
Confira abaixo ou baixe aqui o PDF >> CFP_JornalFed_Ago16_Artigo (1)
Enfrentamento ao Racismo articula o trabalho da Comissão de Direitos Humanos do CFP em 2016
Superação de violências associadas ao racismo e a preconceitos étnicos é o eixo central das ações promovidas neste ano, após os temas violência de Estado, de gênero e políticas sobre drogas
Por Vera Paiva*
Todas as práticas profissionais que respeitam a ética devem necessariamente garantir a dignidade, a autonomia, a igualdade e a liberdade de todos os seres humanos. São os princípios que constam do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos e que orientam eticamente o trabalho de todos os profissionais. Desde a posse da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CDH/CFP), em abril de 2014, entretanto, reconhecíamos que as (os) psicólogas (os) sabem pouco sobre a história dos Direitos Humanos (DH) e seus princípios – lacuna de formação que essa gestão decidiu problematizar e debater.
Os estadistas do pós-guerra que produziram a Declaração dos DH para a governança e para as práticas profissionais estavam bastante conscientes que a intolerância política e religiosa, sempre de base étnico-racial, poderia extinguir a humanidade – potencial demonstrado já com as bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki. Ou, ainda, como a intolerância valida o genocídio de povos e segmentos populacionais, chacinas e guerras contra pessoas que serão consideradas sem direitos, como testemunhamos ainda hoje. O sentido original da Declaração dos Direitos Humanos é inspirar a produção cotidiana e global da convivência pacífica entre pessoas diferentes, entre valores e crenças diversas, das diferentes tradições culturais e religiosas e as variadas posições sobre o governar e a política. Essa convivência democrática é fundamental para a paz.
Justamente no período de nossa gestão, a intolerância e a violência dela decorrente se acirrou, inclusive no Brasil; precisávamos conversar com as (os) psicólogas (os) a respeito, enquanto representávamos a categoria nas diferentes redes e instituições que o CFP ocupa no plano nacional. Ao dedicar parte importante de nosso esforço coletivo à atualização do debate no campo dos Direitos Humanos, raro na formação de psicólogas e psicólogos, priorizamos quatro eixos de trabalho (confira o quadro) e escolhemos as redes nacionais e internacionais que, analisávamos, seriam mais relevantes neste período. Ao fazer um balanço de dois anos de trabalho, foi notável como as prioridades estabelecidas estavam corretas.
À opção preferencial pela Internet – debates online e cursos disponibilizados por meio da plataforma OrientaPsi, inovação desta gestão – somamos iniciativas de formação de todo o corpo de funcionários do CFP em Direitos Humanos, com resultados crescentes. Desde os anos 1990 renovaram-se as teorias e as práticas que incorporaram os avanços da pesquisa científica sobre desigualdade e a avaliação de políticas públicas, que também se beneficiaram do final da Guerra Fria quando a integralidade dos Direitos Humanos foi retomada globalmente nas Nações Unidas. A integralidade original pensava direitos sociais e econômicos, além de civis e políticos, portanto, em direitos coletivos e individuais. Vários cursos e debates disponíveis no site do CFP, então, recuperaram essa perspectiva. De bastante repercussão, tivemos o que marcou o Dia do Psicólogo (2015) sobre a “Atuação da Psicologia no contexto do Estado Laico” seguido do curso sobre “Fundamentos democráticos da laicidade” e “Laicidades: neutralidade e pluriconfessionalidade”. Também o debate sobre “Antiproibicionismo: Porque precisamos mudar as políticas sobre drogas no Brasil e no mundo” e sobre “Violência contra a Mulher e o Papel dos Profissionais de Psicologia”.
Na segunda reunião anual, com representantes de Comissões de Direitos Humanos de quase todos os CRs, em março de 2016, foi possível observar como avançamos inspirados pela priorização de eixos que escolhemos. Paralelamente ao que se fez no plano federal, a inserção da maioria dos CRs em redes intersetoriais permitiu ações locais para o enfrentamento da violação e da negligência de Direitos Humanos. Sem deixar de lado temas clássicos da área (como crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência), os quatro eixos priorizados pelo CFP foram também relevantes para o diálogo com a categoria e para responder ao que emergiu em cada regional.
Nunca pretendemos unificar completamente as ações nacionais. Buscamos acolher diferentes visões e garantir a criatividade e autonomia de cada regional frente a seus inscritos; assim, reconhecemos que as práticas psicológicas enfrentam diferentes contextos, inclusive quando tomamos a perspectiva compartilhada dos Direitos Humanos. Os diferentes regionais articularam esses eixos de acordo com a realidade local, com ênfases e estilos diferentes. Ouvimos dos representantes dos regionais, na reunião anual de 2016, como esses eixos interpelam as práticas dos psicólogos em todos os setores, nos Sistemas Único de Saúde (SUS) e de Assistência Social (Suas), nas escolas, nas clínicas, no mundo do trabalho, no sistema prisional e nas instituições dedicadas à prevenção e ao cuidado do sofrimento psicológico e psicossocial de indígenas, moradores de comunidades faveladas e periféricas, juventude negra, mulheres e minorias sexuais e de gênero, e certamente avançamos na mesma direção sem impor centralismos limitantes.
Em nossas representações nacionais, por outro lado, a transversalidade desses quatro eixos foi absorvida sistematicamente pelos nossos representantes, com destaque para o reconhecimento do papel do CFP no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Entre outros temas e por nossa iniciativa, introduziu a reparação psíquica/psicossocial dos afetados por barragens em Mariana e Belo Monte. Tem destaque também o trabalho relativo às políticas de drogas e à situação da população encarcerada – que também garantiu a recondução unânime no Comitê Nacional de Combate à Tortura, órgão do Estado brasileiro de defesa de direitos.
*Coordenadora da CDH/CFP
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Destaques da ação da CDH/CFP e seus quatro eixos de trabalho1o eixo: “Enfrentamento da Violência de Estado e da tortura” foi tema central de 2014, quando nós, brasileiros, discutíamos os 50 anos da ditadura civil-militar, os horrores da tortura e perseguição de opositores políticos. Em 2015, colaboramos com a ação do Grupo de Trabalho sobre Manicômios Judiciários, que realizou a inspeção que envolveu a maioria dos CRs.2o eixo: “Direitos e enfrentamento às violências de gênero e sexuais”, prioridade de 2015, quando iniciamos o programa de debate e vídeos sobre despatologização disponíveis no site e uma articulação para aprofundar esse debate com o Conselho Federal de Medicina, em curso, que o evoluir da conjuntura mostrou ser uma escolha correta. Em 2016, apoiamos a realização da 2ª Conferência Internacional de Psicologia LGBT no Brasil.
3o eixo: “Direitos e Assistência aos usuários de drogas e suas famílias” foi foco de nossa atenção em 2015, quando enfrentamos o debate sobre a regulamentação das Comunidades Terapêuticas com uma posição do Conselho que articulamos em vários fóruns >> https://site.cfp.org.br/cfp-se-manifesta-contrariamente-a-resolucao-que-regulamenta-funcionamento-de-comunidades-terapeuticas 4º eixo: “Enfrentamento das violências associadas ao racismo e a preconceitos étnicos” é o tema articulador de todas as ações de 2016, e foi tema nos debates sobre ”Genocídio da juventude negra no Brasil” e o debate “Terror de Estado e Violência de Estado. Como Prevenir? Como Reparar os danos?”. Introduzimos na nossa articulação nacional com a Comissão de Mortos e Desaparecidos e em iniciativas do Ministério da Justiça o tema do racismo contra negros e indígenas. As relações raciais, em 2016, serão tema de concurso de cartazes para chamar atenção para a resolução CFP 18/2002. |