“O fim do manicômio é uma utopia possível”. Com essas palavras o psiquiatra italiano Ernesto Venturini deu início à conferência especial realizada logo após a mesa de abertura do seminário “A desconstrução da lógica manicomial – construindo alternativas”, promovido pelo CFP e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Venturini promoveu um resgate do processo de reforma psiquiátrica na Itália, que envolveu lutas em âmbito institucional e junto à sociedade civil ao longo de anos. Segundo ele, a desinstitucionalização dos Hospitais Psiquiátricos Judiciários naquele país envolveu a instauração de práticas de atendimento alternativas que colocavam a necessidade de custódia e, no limite, a superava totalmente – demonstrando a capacidade do serviço psiquiátrico em assumir o tratamento destas pessoas. “A partir de 31 de março de 2015, foram abolidos na Itália todos os hospitais judiciários, com população total de 1.300 pessoas, data histórica na Itália e para os países que querem afirmar o Estado de direito para os cidadãos”, afirmou.
Apesar dos avanços conquistados pela reforma psiquiátrica na Itália, ainda é preciso avançar, sobretudo no que se refere à periculosidade. Segundo Venturini, a perícia de pessoa “suspeita” de crime portando transtorno mental deve ser feita com ele em liberdade ou na prisão, mas não no manicômio. “O Código penal italiano de 1930 instituiu a ideia de medida de segurança, mas todos os projetos de lei que tramitam hoje contêm a abolição do ‘conceito’ de periculosidade com pessoas em transtorno mental”, aponta.
Territorialidade
Venturini lembrou, ainda, que parte importante do processo de superação dos manicômios judiciários na Itália passa pela promulgação de uma lei de 2008, que permitiu tratamento das pessoas com transtornos mentais e em conflito com a lei a partir da ideia da territorialidade, alocando pacientes perto de suas residências de origem.
Em maio de 2014, uma nova lei estipulou que, até março de 2015, todos os hospitais psiquiátricos judiciários deveriam estar fechados. Contudo, ele destaca que o processo ainda não está adequadamente regulado: mais de 300 pessoas seguem internadas em hospitais italianos. “Recentemente, ministros da saúde e justiça propuseram a adoção de modelo de administração co-participada, com centro de operações multiprofissional para coordenar e monitorar novas unidades de saúde”, relata.
Caminhos
Para Venturini, a superação dos manicômios depende de pressão constante e de longo termo sobre a opinião pública. Ainda, segundo ele, é preciso transferir as denúncias para o nível subjetivo, contando histórias e dando voz ao sofrimento, estimulando processos de identificação. “Estou consciente de que o fim do manicômio judiciário no Brasil não será um processo curto. Sei que terá de atravessar e mudar culturas e práticas, não há atalhos nem simplificações, mas um cansativo e constante trabalho no território de quem coloca em primeiro lugar os direitos das pessoas. Para mulher e homem que sofrem, um hoje imperfeito será sempre melhor que um perfeito amanhã”, finalizou.
Confira a íntegra da conferência:
Confira depoimento de Venturini, após a conferência: