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29/05/2015 - 15:33

Exercício profissional enquanto trabalho: do que estamos falando?

Para o XVI Plenário do CFP, redução da jornada de trabalho, piso salarial e formação de qualidade são condições fundantes para o bom exercício profissional

Exercício profissional enquanto trabalho: do que estamos falando?

(Artigo de Rogério Oliveira* publicado inicialmente na edição 110 do Jornal do Federal, em maio 2015)

A Psicologia brasileira tem vivido, nos últimos vinte anos, uma profunda transformação. Saímos de uma condição em que tínhamos um acréscimo no número de novos profissionais que se dava em progressão aritmética e passamos para a progressão geométrica. Somos, atualmente, cerca de 253 mil profissionais inscritos e ativos no Sistema Conselhos de Psicologia e temos por volta de 164 mil estudantes de graduação espalhados pelo País. Se partirmos do pressuposto de que a formação de um novo profissional dar-se-á em aproximadamente cinco anos, e debitarmos uma possível evasão da ordem de dez por cento, podemos projetar que chegaremos em 2020 com aproximadamente 400.000 inscritos ativos e aptos a exercer a profissão de Psicólogo(a) no Brasil. Entre os vários questionamentos que se colocam, há um que nos parece central: como lidar com essa realidade do ponto de vista do exercício profissional enquanto trabalho?

formigasNós, do XVI Plenário do Conselho Federal de Psicologia, estamos empenhados e focados neste desafio. Sabemos que o modelo de orientação e fiscalização profissional ainda está baseado na realidade da década de 1970. A formulação crítica a que assistimos, ao longo das décadas de 1980 e 1990, em relação ao papel do Psicólogo diante da realidade brasileira, não levou em consideração que a nossa profissão cumpre um papel contra-hegemônico diante da lógica do sistema vigente.

O nosso compromisso para com o bem-estar do outro, para com as demandas da sociedade na qual estamos inseridos, para com a promoção dos direitos não é valorizado por aqueles que estão nos postos de poder político e econômico. O sistema no qual estamos inseridos não valoriza a emancipação e a autonomia dos sujeitos. E isso está presente em todas as áreas da nossa sociedade: da saúde à educação (pública ou privada), do trabalho à assistência social, do esporte ao meio jurídico. Sem contar o espaço onde a nossa presença é fundamental para os avanços necessários e prementes, o dos Direitos Humanos. Não é a toa que essa forma de estrutura social insiste em nos “punir”, fazendo com que as nossas condições de trabalho sejam precárias, com que a nossa jornada profissional seja excessiva, com que nosso poder de compra seja diminuído. Esta questão deve e pode ser encarada por todas as representações da Psicologia com altivez e firmeza. Temos de enfrentar sérios desafios, como os discursos falaciosos de que não nos compreendem, de que não sabem o que queremos e o que fazemos. Sabem sim. E é por isso que insistem em nos desvalorizar e nos precarizar, em não atender nossas reivindicações de redução da carga horária e da criação de um piso salarial, por exemplo.

Além disso, temos de enfrentar outra falácia – essa um pouco menos conhecida por grande parte da nossa categoria: a de que os conselhos não representam os interesses dos psicólogos, em sua maioria psicólogas, mas tão somente os da sociedade, e que as questões referentes ao exercício profissional enquanto trabalho são de responsabilidade apenas dos sindicatos. Isso é um absurdo! Evita-se, com esse discurso, ocultar o fato de que nas duas últimas décadas o Sistema Conselhos de Psicologia não se debruçou sobre esta questão, com vistas a enfrentá-la por meio de ações e projetos. A categoria vem pautando essa demanda em todos os Congressos Nacionais da Psicologia desde o primeiro, em 1997. E nada, absolutamente nada, foi feito quanto às condições e relações de trabalho.

Acreditou-se que, ao demonstrarmos engajamento nas demandas, sobretudo dos excluídos da sociedade brasileira, por meio das políticas públicas, o reconhecimento e a valorização viriam a posteriori, como um retorno automático. Contudo, temos encontrado diversos casos de perseguições a profissionais comprometidos com as demandas sociais (como no caso do SUAS), que diante da recusa em atender uma determinação judicial para a qual não se encontram preparados (como prevê nosso Código de Ética), recebem intimações e até mesmo voz de prisão. Profissionais que, ao assumirem um cargo em uma prefeitura depois de terem sido aprovados em concurso público para uma determinada área, são informados que irão assumir funções em outras áreas também – porque “assim é a realidade e todos fazem isso”. Sem contar o assédio por parte de gestores públicos e privados diante da nossa postura ao promovermos ações voltadas para a autonomia e o bem-estar dos sujeitos que atendemos.

Quando um profissional não encontra boas condições para o seu exercício profissional, isso repercute diretamente nas questões éticas. E os processos éticos que nos chegam para julgamento nos dão a clareza disso. Não nos cabe, enquanto representantes eleitos, a escolha de não enxergar a realidade.

Por isso, nós do XVI Plenário do Conselho Federal de Psicologia estamos engajados na realização do projeto que nomeamos de “exercício profissional enquanto trabalho”. Estamos lançando o Centro de Orientação do Trabalho em Psicologia (OrientaPsi) para funcionar como a ferramenta de comunicação e interface com as demandas da sociedade e a realidade do exercício profissional. Afinal, temos plena consciência de que, ao pensarmos um projeto político a partir do local onde estamos, da representação que ocupamos, não somos nós os atores que irão executar este projeto. Quem produz as ações efetivas são os profissionais que trabalham diariamente para fazer da nossa profissão uma realidade. São as psicólogas e os psicólogos que exercem suas atividades laborais e que vivem na pele a realidade das condições de trabalho, das relações com as chefias, da carga horária e, muitas vezes, dos baixos salários. Quando essa realidade não é adequada, os usuários dos nossos serviços também sofrem, pois é a eles que dedicamos o nosso compromisso ético e laboral.

* Rogério de Oliveira Silva é psicólogo e vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Abaixo, a edição completa da edição 110 do Jornal do Federal. E para fazer download de um exemplar, clique aqui.