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21/06/2018 - 17:21

Comunidades terapêuticas violam direitos

Relatório lançado em Brasília reúne resultados de inspeção nacional realizada em 2017

Comunidades terapêuticas violam direitos

Cerca de 120 pessoas acompanharam o lançamento do Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, nesta terça-feira (18), no Memorial da Procuradoria Geral da República, em Brasília. O documento inédito reúne os resultados da inspeção nacional em comunidades terapêuticas, realizada em outubro de 2017, nas cinco regiões do Brasil. A inspeção é uma ação conjunta do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF).

As vistorias mobilizaram cerca de cem profissionais, ocorridas simultaneamente em 28 estabelecimentos nos estados de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Distrito Federal. As equipes foram compostas por membros do MPF, por peritos de prevenção e combate à tortura, por profissionais da Psicologia e de outras áreas de conhecimento – como conselhos de Medicina, de Serviço Social e de Enfermagem, além do sistema de Justiça, como integrantes de Defensorias Públicas e de seccionais da Ordem dos Advogados no Brasil (OAB).

Segundo o relatório, a coleta de informações se deu a partir dessa multiplicidade de olhares e envolveu vistorias dos espaços físicos, entrevistas com usuários, direção e equipes de trabalho, além da análise de documentos produzidos por esses estabelecimento.

Entre os aspectos analisados pelo relatório estão o caráter asilar das comunidades terapêuticas, o uso de internações involuntárias e compulsórias, as práticas institucionais, como a violação à liberdade religiosa, “laborterapia” e internações sem prazo de término, o cotidiano e práticas de uso da força, a internação de adolescentes, a infraestrutura, o controle e fiscalização e a origem de recursos para financiamento.

Conforme o documento, apenas duas das 28 comunidades terapêuticas visitadas dispunham de documento médico com a autorização para internações. Onze dos locais visitados promoviam internação de adolescentes; em 16 dos locais inspecionados foram identificadas práticas de castigo e punição a internos. Além disso, em ao menos 16 das 28 instituições visitadas, não há respeito à diversidade de orientação sexual e à identidade de gênero.

Frente às críticas de que tenha sido baixo o número de instituições vistoriadas, o presidente do CFP, Rogério Giannini, afirmou que a inspeção talvez tenha revelado “uma das maiores situações de violação e direitos humanos da atualidade, feita de forma sistemática”.

O perito do MNPCT Lúcio Costa apresentou a metodologia da inspeção e disse que o relatório apresenta novos elementos. Ele disse ser necessário “fazer o exercício da reflexão e apontar como todas as agendas possam dialogar com o leque de direitos do campo da luta antimanicomial”.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, afirmou ser grave o fato de que recursos públicos estejam sendo investidos à revelia do monitoramento do que ocorre nessas instituições. “É preciso se pensar ações que possam coibir esse tipo de prática.”

O vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Paulo Amarante, afirmou, da plateia, que os relatos contidos no documento são desesperadores. “Criamos toda uma política pública para que a saúde fosse dever do Estado. Então chamar de comunidade terapêutica o que não tem nada de terapêutico é uma fraude”. Amarante questionou também o que pode ser feito no futuro, já que existem interesses por trás da tentativa de perpetuação dessa realidade.

A deputada Erika Kokay (PT-DF) ressaltou a necessidade de recompor identidades ao lidar com o uso abusivo das drogas. “É preciso repensar a política de drogas do país. As comunidades terapêuticas se sustentam num fundamentalismo que invade todos os espaços, de forma punitiva, patrimonialista, num balé macabro”. Kokay sugeriu uma recomendação à Lei de Diretrizes Orçamentarias a favor do fortalecimento das Redes e dos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps).

Leia o Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas.