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06/08/2016 - 15:01

Lei Maria da Penha completa dez anos de enfrentamento à violência contra a mulher

Aplicação contribuiu para aumento das denúncias, mas não basta para reverter o quadro que as brasileiras enfrentam. Tema é um eixo da atuação do CFP

Lei Maria da Penha completa dez anos de enfrentamento à violência contra a mulher

A Lei Maria da Penha (11.340/2006) completa dez anos neste domingo (7). Principal referência no combate à violência contra a mulher, a lei proporcionou novas bases jurídicas contra esse tipo de crime e tornou mais severa sua punição, contribuindo para o aumento do número de denúncias e condenações, mas não bastou para reverter o quadro de riscos à integridade física que as brasileiras enfrentam. O tema, em sua ligação com o machismo e a desigualdade, é um dos eixos da atuação do Conselho Federal de Psicologia (CFP) no contexto dos direitos humanos.

Reportagens de balanço da aplicação da lei mostram a falta de consolidação dos dados pela Justiça e pelo governo federal. Ainda assim, levantamentos de veículos jornalísticos entre os Tribunais de Justiça estaduais (TJs) indicam que os processos judiciais referenciados nela chegam no mínimo à casa das centenas de milhar, e que as condenações em primeira instância já contam pelo menos dezenas de milhares.

O estudo Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), verifica diminuição em cerca de 10% da projeção anterior de aumento da taxa de homicídios domésticos de 2006 a 2015. As autoras e autores concluem que a Lei 11.340 evitou milhares de casos de violência doméstica no país.

Houve também desdobramentos legislativos, a exemplo da lei que caracteriza o feminicídio como crime hediondo, do projeto que tipifica o crime de descumprimento de medidas protetivas e daquele que aprova a divulgação do disque-denúncia 180.

Por outro lado, o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil apura que o número de mortes violentas de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013 (período que corresponde parcialmente ao da vigência da lei). Baseada em dados dados do Ministério da Saúde, a pesquisa também mostra que a violência doméstica e familiar continua como a principal forma letal praticada contra as mulheres no Brasil. Dos 4.762 homicídios de mulheres registrados em 2013, mais de metade (50,3%) foram cometidos por familiares, sendo a maioria (33,2%) por parceiros ou ex-parceiros. A cada sete feminicídios, quatro foram praticados por pessoas que tiveram ou tinham relações íntimas de afeto com a mulher.

O país tem taxa de 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo em um ranking com 83 países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

No marco dessa década de avanços, retrocessos e desafios, o Brasil sedia o Congresso Internacional Científico sobre Violência Doméstica – O Machismo que Mata. O evento está com inscrições abertas e será realizado em Salvador, em setembro, com apoio do CFP.

Regulamentação

Recentemente, o Conselho participou da elaboração de uma minuta de resolução, voltada aos conselhos profissionais das áreas de Saúde, para regulamentar o sigilo profissional em casos de violência doméstica.

O documento é fruto do trabalho interinstitucional de Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Tribunal de Justiça, governo local e Conselhos Federais de Medicina, Psicologia, Enfermagem e Serviço Social.

Apresentada pelo Núcleo de Gênero do MPDFT, a proposta prevê os casos em que os profissionais deverão quebrar o sigilo profissional para reportar às autoridades criminais e de proteção casos graves de violência contra a mulher. “O objetivo é criar balizas para situações que são graves o suficiente para a adoção dessa medida”, explica a representante da autarquia no Conselho Nacional de Direitos da Mulher (CNDM), Valeska Zanello. A minuta ainda será debatida no plenário do CFP e de outros conselhos.

“Espera-se que a regulamentação dê proteção aos profissionais que tenham contato com vítimas de violência doméstica grave e potencialmente letal, mas, ao mesmo tempo, protejam o sigilo profissional nas demais hipóteses ordinárias”, explica o promotor de Justiça Thiago Pierobom, coordenador dos Núcleos de Direitos Humanos do MPDFT.

Estupro

O CFP participou, em junho, de audiência pública do Senado Federal sobre as formas de combate ao estupro, crime que vitima uma mulher a cada 11 minutos no país, segundo estimativa.

Dentre os caminhos defendidos pelas participantes para o combate ao machismo e à chamada cultura do estupro no país estão: a articulação integrada de políticas públicas em defesa dos direitos das mulheres, a responsabilização da mídia, o aprimoramento legal, o aumento da representação feminina nos espaços de poder e a discussão de gênero nas escolas e universidades.

A violência, segundo as palestrantes, é reflexo da objetificação da mulher, do preconceito e da cultura machista, que culpabiliza a vítima. “O processo de objetificação é profundo, ele é entranhado, naturalizado”, disse Valeska Zanello. “A gente nem percebe isso como violência, o que é muito grave. A interpelação feita pela nossa cultura às mulheres é de que elas se coloquem nesse lugar de objeto de desejo. Isso é uma questão identitária e tem a ver com os processos de subjetivação das mulheres. E ela ensina aos homens que as mulheres são objetos disponíveis e (difunde) principalmente um tipo de masculinidade que deve ser provada ao consumi-las e objetificá-las”, disse.

Debates e vídeo

O assunto também foi abordado em debates online, a exemplo do realizado em 24 de junho, sobre o papel das psicólogas (os) no enfrentamento desse problema social e desse crime.

Na discussão, transmitida ao vivo e disponível aqui, o juiz Ben-Hur Viza, do TJDFT, falou sobre os tipos de violência –  física, psicológica, sexual, patrimonial e moral – e sobre as medidas de proteção às vítimas. O magistrado coordena o Centro Judiciário da Mulher.

Além dele e de Zanello, participaram o promotor Thiago Pierobom e a psicóloga Miriam Pondaag, da Secretaria Adjunta de Desenvolvimento Social do Governo de Brasília (Sedest).

A atividade também lançou o vídeo “Violência contra as mulheres: o que os profissionais de saúde têm a ver com isso?”, com o objetivo de sensibilizar e oferecer subsídios a esse segmento. Uma das principais vias de identificação das agressões está em locais de atendimento como hospitais, ambulatórios e centros da rede de atenção à saúde mental.

A peça apresenta ao público os tipos de violência de gênero, o impacto da agressão na saúde mental, a legislação sobre o assunto, os serviços disponíveis para atendimento e o que o profissional deve fazer ao se deparar com uma situação desse tipo.

Saiba mais

Voltada à erradicação da violência contra a mulher, a Lei 11.340 cria mecanismos para prevenir e punir esse tipo de ocorrência, além de tipificar a violência doméstica como uma das formas de violação dos direitos humanos. Sua entrada em vigor alterou o Código Penal, possibilitando que agressores sejam presos em flagrante, ou tenham sua prisão preventiva decretada, quando ameaçarem a integridade física da mulher. O texto instituiu, ainda, medidas de proteção para a mulher que corre risco de vida, como o afastamento do agressor do domicílio e a proibição de que chegue perto da mulher e dos filhos.

O nome pelo qual a lei ficou conhecida homenageia a farmacêutica bioquímica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência durante 23 anos de casamento. Ela ficou paraplégica por consequência de um tiro de espingarda na primeira vez que o então marido, o economista Marco Antonio Heredia Viveros, tentou assassiná-la, em 1983, e o denunciou após a segunda tentativa, por eletrocussão e afogamento, ao voltar do hospital. A condenação e a prisão do criminoso, antes da existência da lei, resultaram em apenas dois anos em regime fechado. Maria da Penha, hoje com 71 anos, é uma ativista e um símbolo da causa.

Confira mais estatísticas, publicações e informações sobre programas referentes à Lei 11.340 e ao assunto na página da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do Ministério da Justiça e Cidadania.

Assista a edições do programa Diálogos, da UnBTV, sobre feminicídio e sobre notificação da violência.