Em 20 de novembro é comemorado o dia da Consciência Negra, quando foi morto Zumbi dos Palmares, líder do quilombo dos Palmares e símbolo da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial. O que poucos sabem é que, nas batalhas travadas por Zumbi, ao seu lado estava sua companheira, Dandara dos Palmares. Mulher, negra, também lutou pela libertação de homens e mulheres, resistindo na busca por justiça e igualdade para essas mulheres. Durante todo o mês de novembro, diversas atividades relembram as lutas passadas e de hoje da população negra. Se para os homens negros a realidade no século XXI ainda é de exclusão, genocídio e violência, para as mulheres negras não é diferente.
A Marcha das Mulheres Negras 2015- contra o racismo, a violência e pelo bem viver – irá ocupar Brasília no dia 18 de novembro para denunciar essa realidade. Dados do Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais e lançado no dia 9 de novembro, apontam que o número de mulheres negras mortas cresceu 54% em 10 anos (de 2003 a 2013), enquanto o número de mulheres brancas assassinadas caiu 10% no mesmo período. O salário médio da trabalhadora negra é metade do salário da trabalhadora branca; além disso, 71% das mulheres negras estão em ocupações precárias e informais, enquanto o índice entre as mulheres brancas é de 54%. Por essas razões, contra o racismo, para exigir respeito e compromisso com a promoção da equidade racial e de gênero, milhares de mulheres negras estarão em Brasília no dia 18 de novembro. A concentração da Marcha está marcada para as 9h, em frente ao Ginásio Nilson Nelson.
As mulheres negras, hoje, representam 25% da população: são aproximadamente 49 milhões em todo o país. A ideia da marcha surgiu em 2011, em Salvador (BA), durante o Encontro Paralelo da Sociedade Civil para o Afro XXI: Encontro Ibero Americano do Ano dos Afrodescendentes , realizado em novembro de 2011.
A doutora em Psicologia Maria Aparecida Bento, integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e fundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), participará da marcha no dia 18.
A psicóloga também integra o Fórum Regional de Promoção da Igualdade Racial, uma articulação de Conselhos de Políticas Públicas, Entidades, Sindicatos, Instituições, Indivíduos e Movimentos Sociais. Para ela, é fundamental que as mulheres negras evidenciem cada vez mais as violências que sofrem.
“As mulheres negras têm muita dificuldade de tornar visíveis as questões que as atingem. Seja no campo da educação, seja uma absurda exclusão no mercado de trabalho, e isso eu considero um ponto gravíssimo. Mesmo escolarizadas, em qualquer parte do país elas têm dificuldades. Tem alguma coisa a ver com a aparência, com os cabelos. Na área da saúde você tem um grau de mortalidade alto para mães negras, crianças negras, para mães que têm seus filhos sofrendo chacina em todo o país. Então, a situação da mulher negra é muito grave e invisibilizada. O que a mulher negra quer é trazer essas questões para mudar esse cenário com políticas públicas, com a participação da sociedade, assegurando pra si, suas famílias e seu segmento, um bem viver. Por isso a marcha tem esse slogan ‘Contra o racismo, a violência e pelo bem viver’. Todas nós queremos ser felizes”, destaca a psicóloga, que recentemente foi inserida na relação da revista The Economist dos 50 profissionais mais influentes do mundo no campo da diversidade.
Desde 2002, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem posicionamento claro no que se refere à discriminação racial. A resolução do CFP N.º 018/2002 estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao preconceito e à discriminação racial. O texto destaca, entre outras determinações, que “os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão contribuindo com o seu conhecimento para uma reflexão sobre o preconceito e para a eliminação do racismo. Que os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a discriminação ou preconceito de raça ou etnia. Além de destacar também que os profissionais não serão coniventes e nem se omitirão perante o crime do racismo”.
A Marcha também é uma forma de chamar a atenção para a necessidade da presença de mulheres negras nos espaços de discussão das questões de gêneros. Na área do trabalho, por exemplo, a maior parte dos comitês de diversidade das empresas no Brasil que lutam pela questão de gênero, é composta apenas por mulheres brancas. De acordo com Maria Aparecida Bento, em um último levantamento feito por ela em uma corporação que abrange o Brasil inteiro, a presença da mulher negra era ¼ da presença da mulher em geral.
“Se você pensar no percentual de mulheres que estão lidando com a questão de gênero nas empresas, no mínimo esse percentual deveria ser igual. Mas não, são tematizados apenas os problemas das mulheres brancas. Então acho que esse é um aspecto fundamental para a gente conversar com as mulheres brancas”, aponta Maria Aparecida.
Para Dorotéa Albuquerque de Cristo, conselheira do CFP e integrante do Grupo de Trabalho de Relações Raciais do Conselho, a categoria ainda tem dificuldade para lidar com temas referentes ao racismo, e muitos (as) profissionais, inclusive, desconhecem o teor da resolução da autarquia sobre o tema. Além disso, mesmo com tantos índices de violência contra mulheres negras, muitas vezes discursos preconceituosos são reproduzidos. “Recentemente nós tivemos um debate para falar sobre genocídio da juventude negra e recebemos diversos comentários de colegas psicólogos (as) que acusaram o Conselho, inclusive, de estar sendo excludente. Como se nós estivéssemos inventando os dados que são divulgados. Isso me preocupa, pois quando o problema é colocado dessa forma é porque ele já está naturalizado. Já faz parte do nosso cotidiano. Ou você não quer ver para não enfrentar seu próprio racismo, ou já é tão natural que a pessoa não vê como um problema, a não ser que ela sinta na pele”, exemplifica Dorotéa.
A psicóloga aponta, ainda, que a Marcha será um importante momento de enfrentamento e denúncia desse quadro de violência e exclusão. “São as nossas vidas que estão em jogo”, diz a psicóloga. A organização da Marcha das Mulheres Negras estima que aproximadamente 20 mil mulheres estejam em Brasília no dia 18 de novembro. Desde o começo desse ano são realizados debates em várias cidades do país em preparação a esse evento.