Representantes do Sistema Conselhos de Psicologia de todo o país – composto pelo CFP e os 24 Conselhos Regionais – estiveram em Brasília (DF) nos dias 28 e 29 de julho para a plenária “Aquilombamento da Psicologia: corpos-territórios de afeto, política, resistência e ancestralidade”.
Realizado pelo Conselho Federal de Psicologia, o evento buscou marcar o compromisso da Autarquia na promoção de ações afirmativas inclusivas e reparatórias, conforme prevê o programa aprovado no âmbito da Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças (APAF) com a finalidade de combater as violências institucionais e estruturais (no CFP e nos Conselhos Regionais de Psicologia), tais como racismo, sexismo, capacitismo e LGBTQIfobia. Esta foi a terceira plenária temática com foco no reconhecimento e acolhimento das diversidades que compõem a sociedade e que moldaram a atuação do Sistema Conselhos ao longo das décadas.
Durante a solenidade de abertura, o presidente do CFP, Pedro Paulo Bicalho, destacou que, pela primeira vez, o processo eleitoral no âmbito dos Conselhos Regionais e a consulta nacional para a composição do CFP previram um sistema de ações afirmativas com o intuito garantir a inclusão e tornar esses espaços de gestão mais plurais e democráticos. “Nós também sabemos que não basta uma resolução em que são atribuídos percentuais para que essas pessoas cheguem. Nós precisamos de políticas de acolhimento para que essas pessoas cheguem e não saiam”, enfatizou o presidente ao reconhecer a urgência de enfrentar as assimetrias nos espaços de gestão.
Pedro Paulo reforçou ainda o compromisso ético-político da atual gestão em debater conjuntamente estratégias capazes de enfrentar o racismo. “O pacto da branquitude também tem que ser o pacto de ceder o lugar quando esse lugar é melhor apropriado por outra pessoa que não você”, afirmou.
“Quando a gente pensa nessas plenárias e no acolhimento é para dizer para cada uma de vocês que não defendemos reserva de vagas para representatividade vazia. Nós queremos mudança”, salientou a vice-presidente do CFP, Ivani Oliveira. A conselheira também ressaltou que a atuação psicológica antirracista está regumamentada pela Resolução CFP nº 18/2002 – que estabelece normas de atuação para as(os) psicólogas(os) em relação ao preconceito e à discriminação racial. “A sociedade precisa saber que nenhuma psicóloga e psicólogo pode ter uma conduta racista ou negligenciar uma fala que verse sobre racismo”, concluiu.
Conduzindo a mediação do diálogo, a conselheira do CFP Alessandra Almeida evidenciou a violência política motivada, sobremaneira, por questões de gênero e raça. “Trata-se disso: de nos dizer que esse lugar não nos pertence, e aí nós precisamos nos olhar e nos dizer diuturnamente ‘esse lugar é nosso, não é favor estarmos aqui'”, pontuou.
Ao tratar sobre a laicidade e sua interface com a Psicologia, a representante do Ministério da Igualdade Racial, Nahiane Hermano Guimarães, ressaltou que o debate sobre racismo religioso passa pela necessidade de promoção da saúde mental da população negra. “Nossa luta é por uma saúde mental antirracista que seja verdadeiramente reflexo da pluralidade de nossas existências e que atue diretamente com os traumas do racismo em todas as suas direções”, alertou Nahiane.
“Aquilombar-se é resistir. É sentir a força da luta. É não desistir jamais”, enalteceu a psicóloga Maria de Jesus Moura. A ex-conselheira do CFP (gestão 2019 – 2022) chamou atenção para o fato de que o trajeto das pessoas negras na educação é ainda mais difícil porque muitos espaços são excludentes, impactando a autoestima da pessoa negra.
Participaram ainda da organização e condução das atividades as(os) conselheiras Carolina Saraiva Obádèyi, Fabiane Fonseca, Rosana Figueiredo e Evandro Peixoto, além de Nita Tuxá, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do CFP, e Izabel Hazin, conselheira-secretária da Autarquia.
Reparação
Para a psicóloga Jeanyce Araújo, a ciência, a Psicologia e demais campos do conhecimento têm um dever de reparação histórica por produzir noções de mundo e sujeitos patologizantes, retirando o direito da população negra e gerando situações sistemáticas de violência contra essas pessoas.
Sugeriu a inclusão de saberes e fazeres quilombolas para o cuidado em saúde mental na Rede de Atenção Psicossocial, justificando que tais abordagens são eficazes para o enfrentamento de práticas coloniais, causa principal do sofrimento psíquico, segundo a psicóloga. “O quilombo acolhe todos os conhecimentos e práticas. Agora, fora do nosso quilombo, nosso conhecimento não é incluído: é perseguido, desqualificado, sendo que o mesmo tem valor e eficácia”.
“Acredito que as políticas públicas de assistência delimitam um momento especial: é onde a Psicologia vai ao território que é marginalizado e, chegando lá, infelizmente, as nossas teorias e técnicas esbarram na dificuldade de ler a pele de Ébano”, complementou o psicólogo e ex-presidente do CRP-BA, Valter da Mata.
Na avaliação de Maria Conceição Costa, coordenadora geral da Articulação Nacional de Psicólogas/os/ues Negras/os/es e Pesquisadoras/es (ANPSINEP), é fundamental para a categoria que psicólogas(os) negras(os) repensem e reflitam práticas no sentido de gerar mudanças de atitude e alteração do pensamento em relação às atuações e enfrentamento ao racismo. “A Psicologia brasileira precisa rever a sua própria prática cotidiana porque ainda é uma Psicologia elitizada, embranquecida, com práticas machistas e racistas”, frisou.
Justiça social
O segundo dia de atividades contou com um debate sobre interseccionalidade como ferramenta de justiça social, levando o grupo a refletir sobre situações cotidianas e problematizando maneiras de fazer enfrentamento ao racismo. A palestra foi conduzida por Carla Akotirene, doutora em Estudos de Gênero, Mulheres e Feminismos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
A professora adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Ana Flauzina, abordou a importância da organização política no movimento negro e o papel da Psicologia nesse cenário. Ana Flauzino é doutora em Direito pela American University e pós-doutora em estudos africanos e da diáspora africana pela Universidade do Texas, em Austin.
A plenária “Aquilombamento da Psicologia: corpos-territórios de afeto, política, resistência e ancestralidade” também foi espaço para a construção de um documento com diretrizes e orientações para o enfrentamento ao racismo, marcando o compromisso da Psicologia no enfrentamento às desigualdades.
Práticas antirracistas
A abertura do evento também contou com o lançamento da edição 2023 do Prêmio Profissional Virgínia Bicudo “Práticas para uma Psicologia Antirracista”. A iniciativa pretende identificar, valorizar e divulgar estudos e ações de psicólogas(os)(es), coletivos e grupos que envolvam a Psicologia e as relações étnico-raciais, fundamentadas nos direitos humanos e que tenham impacto na saúde mental, na redução das desigualdades sociais e no posicionamento antirracista. Os trabalhos selecionados na primeira edição, em 2022, foram publicados pelo Conselho Federal de Psicologia. O material pode ser acessado no site do CFP.
Confira as fotos da atividade no Flickr do CFP.
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