As psicólogas Ana Claudia Camuri e Valdirene Daufemback foram selecionadas como peritas para compor a equipe de prevenção e combate à tortura em locais de privação de liberdade junto ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). A homologação foi sancionada pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), da Secretaria de Direitos Humanos, em meio às comemorações da semana alusiva ao Dia Internacional em Apoio às Vítimas de Tortura (26 de junho).
“As psicólogas selecionadas têm, em comum, trajetórias vinculadas à luta e promoção dos Direitos Humanos que muito orgulham o Conselho Federal de Psicologia (CFP). A Psicologia, através da atuação destas profissionais, terá papel fundamental nesse momento de consolidação do Mecanismo”, aponta o diretor e conselheiro do CFP, Pedro Paulo Bicalho.
As duas profissionais passam a fazer parte da equipe do Mecanismo, composta por 11 especialistas independentes (peritos), vindos de diferentes áreas do conhecimento como Direito, Psicologia, Filosofia e Serviço Social, e de várias localidades do país. “Espero poder levar para o encontro com as pessoas atingidas pela tortura um pouco da experiência de escuta, própria do nosso campo de saber (a Psicologia)”, diz a psicóloga carioca Ana Claudia Camuri. Para ela, neste momento, em que a tortura acontece no país inteiro de forma endêmica e sistêmica, a importância do Mecanismo se acentua, como instrumento para assegurar que o Estado cumpra as recomendações previstas na Lei nº 12.847, que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT).
A psicóloga catarinense Valdirene Daufemback espera contribuir para consolidar o papel do Mecanismo no Brasil, para que ele possa se fortalecer como um interlocutor qualificado na denúncia, prevenção e acompanhamento das vítimas de tortura. “Espero poder contribuir no Sistema Nacional não apenas para reduzir as práticas de tortura, mas em busca de construir novos paradigmas que permitam a redução do encarceramento e a construção de uma justiça restaurativa”.
Inspeções – A equipe do MNPCT tem a função de realizar visitas técnicas às instalações de privação de liberdade, como centros de detenção, estabelecimentos penais, hospitais psiquiátricos, abrigos para idosos, instituições socioeducativas e centros militares de detenção disciplinar. Quando constatadas violações de direitos humanos nesses locais, os peritos elaboram relatórios com recomendações às autoridades competentes para que adotem as providências pertinentes para coibir tais práticas e responsabilizar os autores.
Segundo o psicólogo Lúcio Costa, que também é perito do MNPCT, cada vez mais os profissionais da Psicologia vêm ganhando novos espaços de atuação para além das clínicas, escolas e hospitais. “Nessa agenda da prevenção e do combate à tortura, os psicólogos do Mecanismo cumprem uma tarefa muito importante graças a escuta dada às pessoas privadas de liberdade no país”, complementa.
Além do Comitê e do Mecanismo, o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é composto pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. Outras instituições também podem solicitar a inclusão no Sistema, como ONGs, órgãos do Poder Judiciário, Conselhos Tutelares, corregedorias e ouvidorias de polícia.
Apoio às Vítimas de Tortura – Além da homologação do resultado da seleção do MNPCT, a 14ª Reunião Ordinária do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, realizada em 26 e 27 de junho, em Brasília/DF, foi marcada pelas comemorações do Dia Internacional em Apoio às Vítimas de Tortura. A programação contou com seminário sobre os Desafios para Construir uma Política de Prevenção e Combate à Tortura no Brasil e lançamento de publicações temáticas como “Tortura Blindada”, “Caderno de Propostas Legislativas: 16 medidas contra o encarceramento em massa” e o “Relatório 2016/2017 do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”.
O psicólogo Paulo Maldos, representante do CFP e vice-presidente do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura acredita que, das várias pesquisas apresentadas durante o seminário, merece atenção especial das (os) psicólogas (os) brasileiros a “Tortura Blindada”, do Instituto Conectas Direitos Humanos – estudo que buscou evidências de práticas de tortura a partir do monitoramento de audiências de custódia no Fórum Criminal da Barra Funda/SP, entre julho e novembro de 2015. “Um desafio importante é conseguirmos definir o que é e como podemos detectar práticas de tortura psicológica através das audiências de custódia. As audiências de custódia têm falhado em identificar e responsabilizar mesmo as torturas físicas evidentes.”
Maldos avalia que o controle social no âmbito prisional pouco avançou nos últimos anos e manifesta uma preocupação. “Com a diminuição das conferências nacionais e dos debates públicos sobre direitos sociais e direitos humanos, aliada à limitação orçamentária, com a “PEC do Teto”, observamos um ambiente no qual as práticas de tortura podem aumentar de maneira significativa.”.
Conheça as psicólogas selecionadas para o MNCPCT
Ana Claudia Camuri
Natural do Rio Janeiro/RJ, a psicóloga Ana Claudia é Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Ana Claudia foi membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro e representante da autarquia no Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Também atuou no atendimento a vítimas de violência no Hospital de Custódia e no Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro. Como pesquisadora, estudou a participação do psicólogo no exame criminológico e no Depoimento sem Dano por meio do sistema de oitiva dentro dos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro. Essa pesquisa resultou no livro Cartografia do desassossego: o encontro entre os psicólogos e o campo jurídico, publicado em 2012 pela Editora Eduff. E como resultado da pesquisa de doutorado, o livro Governamentalidade e Tortura será publicado pela editora Prismas (Paraná), ainda este ano.
Valdirene Daufemback
Natural de Joinville (SC), a psicóloga Valdirene é doutora em Direito pela Universidade de Brasília e mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em sua carreira de mais de duas décadas, atuou como docente nos cursos de Direito, Psicologia, Administração e Turismo e na coordenação e assessoria de projetos sociais voltados para pessoas com deficiência, pessoas privadas de liberdade, mulheres, negros, formação popular e direitos humanos. Também foi ouvidora nacional dos Serviços Penais e diretora de Políticas Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional vinculado ao Ministério da Justiça. Representou o Brasil em vários fóruns, no Mercosul, na Unasul e na ONU. A sua teste de doutorado resultará no livro Psicologia e Direito – O uso dos conceitos psicológicos no Direito Penal, e será lançado no próximo mês pela editora D´Plácido.