Um crime bárbaro contra o ser humano sempre nos conduz ao inevitável da questão: por que morremos e matamos desgraçadamente? Homens matam e morrem simplesmente porque a violência faz parte da vida, mas não pode ser desvinculada de um quê de subjetividade da naturalização do ato violento e da impensada dose de arroubo e desapego à vida.
Jovens e adolescentes que roubam e matam (menos de 1% dos casos de homicídios) lançam na crônica do dia a dia o bandido feroz, potencializado e catapultado à condição de “delinquente”, cuja idade imatura não desfigura a gravidade do ato e, logo, a vingança passa a ser exigida.
Somos aptos à barbárie, só não podemos converter em banalidade a morte, o crime e a juventude pobre, isolada e sem perspectivas. Também não podemos ceder à tentação de, muitas vezes impulsionados pela mídia, nos vingarmos com ódio.
Alguns ‘mitos’ ou distorções incitam e mesmo insuflam todo tipo de preconceito, ignorância e reação desproporcional. Uma delas é que a redução da maioridade penal reduzirá a violência e a criminalidade. Com um percentual ínfimo de crimes violentos cometidos por adolescentes, essa justificativa é inaceitável, imoral e inconstitucional.
Outro mito é o de que adolescentes não são responsabilizados pelos atos que cometem. Devemos cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e lutar pela implementação do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), que busca responsabilizar progressivamente, levando a efeito todas as possibilidades de medidas socioeducativas, sendo elas multa, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semi liberdade e internação. Além disso, o ECA prevê que os adolescentes progrediriam de medida, podendo, em tese, estar sob a tutela do Estado até os 21 anos.
Mito recorrente é o que afirma que, se a pessoa pode votar aos 16, também tem responsabilidade sobre os seus atos. Votar é um exercício de aprendizado político e não pode endossar propostas de redução da maioridade penal. A adolescência responde por processos psicológicos, sociológicos, biológicos, culturais e sociais, que preparam as construções de identidades. O ECA tem como premissa fundamental o fato de que crianças e adolescentes (12 a 18 anos) são seres em peculiar condição de desenvolvimento. Muitos autores da Psicologia, ainda, consideram que a adolescência pode se estender até os 23 anos.
Por último, está o mito de que os adolescentes infratores são incontroláveis, incorrigíveis, propensos à desestabilização social e diferem do caos político, territorial, familiar e social do qual emergem. Não se deve separar, de forma enviesada e radical, adolescentes carentes de adolescentes autores de atos infracionais, sob o risco de distorcer a realidade dos fatores econômicos, psicológicos, antropológicos, sociais e culturais determinantes na construção de um contexto favorável aos desamparos, às privações, às exclusões, às destituições familiares, filiais, comunitárias e morais.
Prender nas masmorras medievais, que infelizmente existem no país, é a solução mais barata, emocional, vingativa, desproporcional, hipócrita e midiática. Retribuir o mal ou o suposto mal, com uma cota de mal ainda maior, é o oposto de uma Justiça Distributiva, da socioeducação; e da promoção de políticas públicas, sociais, comunitárias e preventivas. Que tal se, no lugar disso, pensarmos se não há algo mais sensato a oferecer aos nossos jovens e excluídos de toda ordem?
Rodrigo Tôrres de Oliveira, psicólogo e psicanalista, membro do Coletivo Ampliado do Conselho Federal de Psicologia
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