“É o reconhecimento formal pelo Estado brasileiro dos direitos coletivos de comunidades tradicionais, no caso, das comunidades quilombolas”. Assim Paulo Maldos, integrante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), analisou o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), realizado nessa quinta-feira (9), em Brasília.
No julgamento, oito dos 11 ministros da Corte decidiram pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, ou seja, votaram pela constitucionalidade do Decreto 4.887/2003. O dispositivo garante a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas no Brasil.
A ação foi ajuizada pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
O conselheiro do CFP destacou que não esperava uma vitória tão expressiva, não apenas pela ampla maioria, mas pela diversidade no reconhecimento de direitos das comunidades quilombolas. “Foi a afirmação dos direitos reconhecidos individual ou coletivamente.”
Maldos ressaltou que o julgamento reconheceu o caráter constitucional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Nele, o Estado brasileiro deve consultar todas as comunidades indígenas ou tribais que tenham seus direitos territoriais atingidos por qualquer tipo de medida legislativa ou administrativa. “Eles disseram ‘respeito’, não só aos quilombolas, mas a todos os povos tradicionais do país”.
Paulo Maldos aponta que a decisão do STF será importante para o início da resolução dos problemas encontrados pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) em comunidades quilombolas pelo país. No dia 7 de dezembro do ano passado, o CNDH aprovou relatório sobre as violações de direitos das comunidades quilombolas. O documento identifica as principais violações de direitos humanos em comunidades quilombolas do Brasil e apresenta recomendações com propostas de ações para prevenção, defesa e reparação desses direitos violados.
Para o representante da Confederação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conac), Ivo Fonseca, é a segunda liberdade para as comunidades quilombolas. O morador do Quilombo Frechal, no Maranhão, alude à abolição da escravatura, em 1888, a qual classificou como “falsa”, pois não contemplou os direitos daqueles povos. A decisão dessa quinta-feira, segundo ele, tinha como foco um direito digno e natural.
Julgamento – No STF, a ministra Rosa Weber e os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello, Luís Roberto Barroso e a presidente, ministra Cármen Lúcia, votaram pela improcedência integral da ADI 3239. Já os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes votaram pela parcial procedência da ação, defendendo a colocação de um “marco temporal”, ou seja, apenas seriam reconhecidos os territórios quilombolas que comprovassem sua ocupação e produção pela comunidade na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. Esta proposta foi negada pela maioria dos magistrados, que aprovaram a constitucionalidade do Decreto 4887/2003 com um todo, sem ressalvas ou condicionantes. O ministro Cezar Peluso, relator do caso, foi o único que votou pela total procedência da ação.