Na Av. Pasteur (Urca), no Rio de Janeiro, onde foi construído em 1852 o então denominado Hospital de Alienados Pedro II – primeira unidade especializada em atenção à saúde mental da América Latina – desfila há 12 anos o bloco de carnaval “Tá Pirando, Pirado, Pirou”, organizado por usuários e trabalhadores da rede pública de saúde carioca. Este ano, a folia momesca dos “pirados” está marcada para o próximo domingo (19), às 15 horas.
O percurso dos foliões do “Tá Pirando, Pirado, Pirou” passa pelo Instituto Municipal Philipe Pinel e pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – instituição que junto à Associação de Moradores da Urca ajudaram a fundar o bloco – até chegar aos pés do morro do Pão de Açúcar. O ponto final do trajeto relembra o local em que um paciente que se tratava no Pinel enxergou as ancas de uma passista gigante e desenhou o símbolo do bloco.
O psicanalista e doutor em Saúde Coletiva Alexandre Vanderley explica que todas as decisões relativas à organização do “Tá Pirando, Pirado Pirou” desde a escolha do nome do bloco até as composições dos sambas são tomadas coletivamente e sempre com o protagonismo e envolvimento dos pacientes.
“Para eles se sentirem atores dessa organização, nós realizamos atividades ao longo de todo ano. Temos oficinas de artes e de composição musical, por exemplo”, explica Vanderley que também é coordenador do Ponto de Cultura Tá Pirando, Pirado, Pirou.
A missão política do coletivo carnavalesco é, nas palavras de Alexandre Vanderley, a “tentativa de mudar o imaginário social da loucura”, uma questão fundamental para a Reforma Psiquiátrica. “É preciso mostrar que o sofrimento não advém do transtorno mental propriamente, mas do estigma, do preconceito e da descriminação que eles sofrem”, resume.
Alexandre avalia que, nesses 12 anos, o “Tá Pirando, Pirado, Pirou” tem contribuído de muitas formas para evolução dos tratamentos em saúde mental. “A gente espera construir pontes para que eles possam se desenvolver e criar outros laços sociais para além desses que o bloco oferece. Embora não seja um dispositivo do trabalho psicoterápico ou psicofarmacológico, o bloco tem esse efeito terapêutico. Inclusive para nós, trabalhadores, porque a gente também enfrenta uma lida difícil e dura e quer estar junto com eles, criando coletivamente, puxando o lado alegre e criativo de todo mundo. Isso faz muito bem”, reforça.
“Ei, você aí, me dá um dinheiro aí!”
Este ano o “Tá Pirando, Pirado, Pirou” perdeu o patrocínio da Petrobrás e tenta um financiamento coletivo para colocar o bloco na rua. Para apoiar o projeto, basta acessar o site https://www.catarse.me/TaPirando2017. A campanha oferece prêmios aos contribuintes que vão desde agradecimentos públicos até bolsas para cursos de Teatro do Oprimido – a depender do valor doado. Par empresas que doarem acima de R$ 200,00, o bloco oferece a divulgação da logomarca no banner do carro de som.
Enredo 2017
Alexandre Vanderley explica que, para os usuários se sentirem atores da organização, o bloco promove, durante todo o ano, oficinas de artes, de composição musical e registro fonográfico. O tema do enredo desta edição – uma homenagem ao diretor Augusto Boal – foi proposto pela esposa de um paciente do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Boal era um parceiro do nosso bloco. Ele cedia o espaço do centro do Teatro do Oprimido para realizarmos eventos. Três meses antes de ele falecer, já estava debilitado, ele ainda desfilou com a gente”, relembra o psicanalista.
O enredo ficou com o seguinte título “Meu Caro amigo Augusto Boal, o arco-íris do desejo vai brilhar no carnaval”. Vanderley justifica que o arco-íris do desejo é uma das técnicas do Teatro do Oprimido que Boal desenvolveu enquanto esteve na França exilado. Preso e torturado pela ditadura militar brasileira, na década de 1970, Boal foi pra Argentina e lá também enfrentou outro golpe militar que o obrigou novamente a se exilar, desta vez na França, onde encontrou um ambiente mais favorável.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) reconhece e apoia os avanços produzidos nas políticas públicas de saúde mental no Brasil a partir da luta antimanicomial protagonizada por usuários e trabalhadores, incluindo psicólogas e psicólogos. O CFP posiciona-se contra qualquer retrocesso neste campo. Por uma vida sem manicômios: esta luta é de todos nós!
Para conhecer, contribuir e participar do bloco “Tá Pirando, Pirado, Pirou”, acesse: