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07/10/2016 - 17:54

Vice-presidente da SBPH destaca papel da Psicologia durante tratamento de câncer de mama

Em entrevista, Maria Alice Lustosa, da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, fala sobre o #OutubroRosa e os desafios das mulheres que enfrentam a doença

Vice-presidente da SBPH destaca papel da Psicologia durante tratamento de câncer de mama

A campanha #OutubroRosa busca conscientizar a população, em todo o mundo, sobre os riscos, os procedimentos para diagnóstico e as possibilidades de tratamento do câncer de mama. Em entrevista, a psicóloga hospitalar e da saúde Maria Alice Lustosa fala dessa iniciativa e da importância de um (a) profissional da área no acompanhamento das pacientes – e de seus (suas) parceiros (as) e sua família – em toda as etapas desse processo.

As primeiras iniciativas do movimento #OutubroRosa surgiram nos Estados Unidos, na década de 90. No Brasil, as primeiras ações surgiram em 2002. O nome remete à cor do laço que simboliza, mundialmente, a luta contra a doença.

Lustosa é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar (SBPH) e responsável técnica do Centro de Estudos em Psicologia do Rio de Janeiro (Cepsi). É doutora em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

A entrevista foi ao ar, nesta semana, na coluna Espaço Formação da RádioPsi e continua a ser veiculada na próxima semana, diariamente, às 11h, com reprise às 15h e às 17h. Confira aqui o primeiro trecho.

Qual sua avaliação da campanha “Outubro Rosa”?

Essa campanha, que já vem sendo articulada em vários anos, é importantíssima no aspecto da detecção precoce do câncer de mama feminino. Nós sabemos que o câncer de mama ainda mata muitas mulheres, principalmente porque o diagnóstico é tardio. Temos mulheres que recebem o diagnóstico já com algum tempo da doença. Esse câncer não pode ser prevenido, mas pode ser detectado precocemente e com isso teremos chances muito altas de cura. E para um órgão tão importante como a mama, para a mulher, é necessário que a gente se atente para isso. Outra coisa importante é entendermos que existem vários tipos de câncer de mama, o que dificulta muito o seu tratamento, que também muda de acordo com o tipo.

Como o processo de diagnóstico e tratamento afeta a família da paciente? Qual a importância da atuação da Psicologia nesse contexto?

Temos que ter consciência que, dependendo da família dessa mulher, o impacto é muito grande, e pode até desestruturar essa família. Quando a família é bastante unida, vemos que essa experiência será afetada de uma forma, mas quando a família é desunida, essa experiência pode ser fatal para a união dessa família. É avassaladora para a mulher, mas todas as pessoas do ambiente familiar necessitam de um apoio. Cada um tem suas dúvidas e é afetado de uma forma diferente.  É importante que as pessoas solucionem essas dúvidas.

Como a mulher deve ser orientada para contar essa notícia à família?

Uma grande dificuldade, quando a mulher recebe o diagnóstico do câncer de mama, é saber como falar com a família sobre isso. Uma das questões importantes é que esse  médico  que comunica tenha sido treinado para dar esse tipo de notícia, ou então, que esteja acompanhado  por um profissional da Psicologia. Será importante para auxiliar essa mulher na busca de forças e formas para a conversa com os seus familiares. Será preciso falar de todo o processo que ela vai enfrentar, que é longo.

No câncer de mama, além das preocupações com as incertezas do tratamento, existem todas as angústias ligadas a feminilidade, maternidade e sexualidade…  

Isso também vai depender da importância que essa mulher dá à sua mama, por isso cada uma sente de uma forma. Uma mulher mais jovem talvez sinta mais até que uma mulher idosa, mas isso não significa que a idosa irá sentir menos a mutilação. Em nossa cultura se dá muita importância aos seios, e a remoção afeta a sexualidade de uma forma direta. Muitas mulheres ficam com vergonha de se mostrar, tirar a roupa, e até evitam a relação sexual por vergonha. Durante o tratamento, com os efeitos colaterais dos medicamentos, muitas mulheres vão perder cabelo, e o cabelo é outra questão importante para a sexualidade e identidade feminina. Mostrar a careca na nossa cultura é uma denúncia de que você tem câncer, muitas têm vergonha disso. A maternidade vai ser afetada, muitas também perdem o desejo sexual por causa dos medicamentos. Isso deve ser conversado com o médico para saber se existem formas de amenizar esses problemas. Principalmente com sua parceira, para que ela entenda porque o desejo sexual desaparece. O câncer afeta psicologicamente, mas também fisiologicamente, tendo repercussões psicológicas sérias.

O câncer de mama, depois do câncer de pele, é o tipo mais comum entre as mulheres no Brasil, respondendo por mais de 25% dos casos novos a cada ano. Como é o serviço público psicológico, no país, para o tratamento dessa doença?

Há 30 anos me interessei pela atividade no serviço público e fui chamada para atuar na Santa Casa do Rio de Janeiro, na enfermaria de ginecologia. Essa enfermaria tinha um atendimento integral à mulher, e deu uma atenção muito grande às mulheres que passariam por essa doença. Naquela época, tínhamos poucos serviços de psicologia preparados para lidar com essa doença. Hoje, a maioria dos hospitais públicos no país tem o atendimento. O problema é que, ao menos no Rio, estamos sofrendo muito com a medicina pública. Hospitais fechados e sucateados, o atendimento acaba não sendo feito. Seria fundamental esse atendimento, além do acesso à prótese.

Quais seriam as recomendações para detecção precoce da doença, caso ocorra?

Fazer o autoexame mensalmente, e exames regulares anuais, em um posto de saúde ou hospitais que tenham serviços de ginecologia. Se for detectada alguma anormalidade, o posto ou o hospital irão indicar o tratamento necessário.

Como lidar com o momento em que se recebe a notícia da necessidade da mastectomia?

Quando a mulher recebe a notícia que precisa fazer a remoção da mama, é um impacto enorme. As mulheres precisam estar acompanhadas de algum familiar para receber o resultado da biopsia. Nem sempre elas conseguem isso.  No meu local de trabalho, temos uma psicóloga para estar junto na sala e auxiliar essa mulher. A psicologia deve estar sempre presente nessa entrevista. Esse momento é dificílimo. Digerir a necessidade da cirurgia, dar a notícia, a perda da mama, e tudo que vem pela frente, com o tratamento que sabemos que é terrível. A mastectomia é uma mutilação como muitas outras, mas ela é visível, não é como a do útero, por exemplo, que tem impactos psicológicos, mas não é visível.

Elas precisam se recuperar rápido, e a reação depende da estrutura de personalidade de cada mulher, da sua parceria. Notamos que quanto mais próxima e carinhosa essa relação, melhor é a reestruturação dessa mulher. A questão do carinho familiar e da parceria, no caso do câncer de mama, é fundamental.  Por isso que a Psicologia precisa abrir também um espaço para o tratamento das parceiras e parceiros dessa mulher.