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24/01/2017 - 10:18

Debate aponta “novos possíveis” para superar crise ético-política

Mesa apontou aspectos da crise política e ética que o país atravessa e as subjetividades e possibilidades que a Psicologia apresenta para a sociedade

Debate aponta “novos possíveis” para superar crise ético-política

A primeira mesa de debates do Seminário “A Psicologia na construção de novos possíveis”, que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) realizou no último sábado (21), em Brasília, apontou aspectos da crise política e ética que o país atravessa e as subjetividades e possibilidades que a Psicologia, como ciência e profissão, apresenta para a sociedade brasileira nesse contexto.

O ex-ministro da Justiça e subprocurador-geral da República Eugênio Aragão fez um resgate do processo político que chamou de “plurivetorial” em relação ao golpe consolidado com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff no ano passado. Ele destacou que a linguagem de ódio estimulada pela comunicação virtual e aliada ao recrutamento de certos atores, principalmente do Judiciário, têm contribuído decisivamente para o agravamento da crise.

Ao revisitar o histórico de mobilizações iniciadas em 2013, com ênfase para os protestos contra o aumento da tarifa de transporte em São Paulo, Aragão observou que o que inicialmente era uma pauta legítima deu, progressivamente, lugar a uma “catarse” de caráter mais genérico, com pautas difusas e resultantes do acesso a informação de baixa qualidade, propagadas via redes sociais. “Não tínhamos o antídoto para esse fenômeno, e quem se aproveitou soube inocular dentro dela palavras-chave”.

Para ele, o ambiente virtual estimula padrões comportamentais baseados no ódio e na polarização, dentro e fora da discussão política. “Por trás dessa intolerância formatada por esse mundo virtual, existe um fenômeno psicológico. As pessoas mudaram seus padrões de convívio que antes prezavam. É um padrão quase psicótico e não sabemos para onde vai”, apontou. “Há uma deterioração muito grande dos nossos padrões comportamentais. Como alguém consegue levantar da sua mesa num restaurante para agredir um político que ele odeia, e odeia pelo tipo de informação que recebeu?”, questionou.

Aragão sublinhou, ainda, o papel desempenhado pelo poder Judiciário no processo de criminalização da política e seletividade punitiva. “Vocês trabalham também na área de recursos humanos. Qual é a melhor forma de recrutar pessoas que vão trabalhar na Justiça? Concurso público não nos diz nada sobre o caráter da pessoa, é apenas uma foto instantânea do sujeito. Me parece que hoje é fundamental repensar a forma como essas carreiras são compostas”, salientou.

Pesquisa ameaçada

A situação da produção científica, das ciências humanas e sociais e da Psicologia no contexto do governo Temer foi o foco da fala da psicóloga Maria Cláudia de Oliveira, diretora da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp/FENPB) e coordenadora do Laboratório de Psicologia Cultural (Labmis/UnB).

Ela apontou um momento de crise ética, caracterizada por uma desconfiança frente ao Estado e originado por uma onda conservadora, e ressaltou a redução dos orçamentos para pesquisa desde 2013.

Oliveira avalia que tal cenário deve se agravar com a promulgação da Emenda Constitucional 95, resultante da PEC 55, que limita os gastos públicos nos próximos 20 anos, e a Medida Provisória (MP) 746/2016 – que altera ensino médio e base curricular nacional. “Essas duas ações traduzem a perspectiva de sujeito e subjetividade mais instrumental, menos crítica e menos orientada ao respeito à diversidade e à perspectiva democratizante”, ponderou.

Ela também apontou os desafios e metas do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB) nesse contexto de desmonte, como o estreitamento do vínculo do CFP com o Fórum, recuperando o papel histórico que a autarquia desempenhou naquele espaço, a ampliação das relações do Fórum com organismos internacionais da Psicologia e o fortalecimento de sua atuação na construção de bases para a oferta de oportunidades de formação profissional continuada, em especial para jovens profissionais do interior do Brasil.

Nova Psicologia possível

Os esforços da Psicologia, nas últimas décadas, em consolidar conceitos que deem conta de analisar os aspectos de natureza subjetiva/psicológica que compõem a realidade social, superando as relações dicotômicas entre as duas dimensões, permearam a intervenção de Ana Bock, psicóloga, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro do Instituto Silvia Lane.

“Antigamente, ou fazíamos uma Psicologia mais individual ou outra mais social, e não entendíamos a necessidade de superar essa cisão”, lembrou, argumentando que a Psicologia pode contribuir com uma leitura da realidade no sentido de produzir uma análise mais complexa, que tenha o aspecto psicológico como elemento constitutivo.

De acordo com a professora, o pensamento coletivo se constitui nas relações sociais e nas formas de produção da vida, e está relacionado a fatores objetivos que têm a ver com relação de classe, formas de produção e distribuição da riqueza e ideologia. Nesse sentido, compreender ideias e valores que circulam na sociedade e se tornam consensuais por determinados grupos, como os discursos de ódio, envolve o entendimento das relações sociais que constituem os fenômenos.

A participação da mídia

Ela destacou o papel que a mídia hegemônica, historicamente concentrada no Brasil, aliada a uma herança colonizada e com fortes marcas de hierarquização, desempenha nesse processo de construção de narrativas. “Temos uma mídia muito forte, coesa, concentrada na mão de poucos, transmissora de ideias, pensamentos e valores que compõem um segmento social que cultiva o ódio às esquerdas. Como se constitui uma dimensão subjetiva dessa natureza em relação a um projeto que transformou o país e mudou a vida de tantas pessoas?”, questionou.

Para fazer frente a esse cenário, Bock sinalizou que a Psicologia precisa avançar em seu pensamento crítico rumo a uma ciência efetivamente transformadora.

“Não dá para colocar as ideias sem tradução. É preciso digerir, criticar e olhar a realidade, buscar parceiros da América Latina para superar a submissão a que nossas consciências têm estado sujeitas. Novos possíveis devem ser alimentados pela utopia de um mundo melhor e queremos que a Psicologia faça parte disso. Por isso devemos nos reunir, dialogar e fazer esforços para uma nova Psicologia possível”, finalizou.

Após o debate, a Diretoria Executiva do CFP apresentou o XVII plenário da autarquia e suas prioridades para os três anos da gestão.