Na atual conjuntura em que existe um processo em curso, apontando para o retrocesso no âmbito da Política Nacional de Drogas no Brasil, várias entidades, preocupadas com a alocação de recursos públicos em Comunidades Terapêuticas, fundamentada na possibilidade de aprovação do Projeto de Lei 7.663/2010, argumentam que este PL reúne graves e sérios equívocos, no que diz respeito às políticas públicas para drogas, dentre eles destacamos a alusão ao preconceito e à exclusão social de grupos marginalizados socialmente, além de não trazer em seus dispositivos, nenhuma proposta terapêutica de tratamento.
Outra inquietação das entidades diz respeito ao montante a ser destinado às Comunidades Terapêuticas, conforme matéria publicada no jornal O Globo, no último dia 16 de abril, em que menciona a pressão do Palácio do Planalto para que a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) libere R$ 130 milhões às Comunidades Terapêuticas, as quais, em sua grande maioria, não possuem estrutura para atendimento a usuários de drogas e ademais, não se constituem em aparelho de saúde.
Parecer elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) aponta que as Comunidades Terapêuticas, via de regra, além de não constituírem dispositivos de saúde pública, não são passíveis de controle social e não apresentam nenhum tipo de projeto terapêutico ou de cuidados.
O PL 7.663/2010 pretende assegurar o financiamento de recursos públicos do Governo Federal às Comunidades Terapêuticas, instituições que, no Brasil, estão, em sua maioria, vinculadas a grupos religiosos e que, com muita frequência, violam os direitos dos internos, como constatou a 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos que ocorreu em 24 estados mais o Distrito Federal, em um total de 68 instituições visitadas.
As Comunidades Terapêuticas, portanto, são instituições não monitoradas, fiscalizadas e/ou reguladas pelo poder público e, via de regra, não dispõem de qualquer recurso terapêutico. Nelas, é comum a interceptação e violação de correspondências, a violência física, os castigos, as torturas, a humilhação, a imposição de credo, a exigência ilegal de exames clínicos, como o teste de HIV, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória de familiares, violação de privacidade etc. Essas foram as constatações advindas da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos, coordenada pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP, envolvendo vinte Conselhos Regionais de Psicologia e algumas outras entidades e que fazem parte do documento publicado pelo CFP, em 2011.
As entidades questionam, ainda, a indicação do defensor público Vitore André Maximiano como o novo titular da Senad, vinculada ao Ministério da Justiça (MJ) que, de acordo com a matéria do jornal O Globo, retromencionada, comprometeu-se em atender a recomendação de acelerar os repasses de dinheiro público às Comunidades Terapêuticas.
A garantia à saúde é um direito social, fundamental, inalienável e indisponível, garantido pela Constituição Federal. Entretanto, a aprovação do PL 7.663/2010 violará o princípio do não retrocesso, esquecendo-se dos avanços das Reformas Sanitária e Psiquiátrica, da Luta Antimanicomial e da Política Nacional para a População em Situação de Rua.
O PL e o substitutivo agem na contramão do interesse público e cria uma indústria de internações, ignorando as iniciativas de redução de danos e serviços substitutivos aumentando a despesa pública. Sua aprovação pode gerar uma indústria de internações compulsórias e involuntárias, violando os direitos elementares de pessoas em situação de vulnerabilidade social. A hipótese da internação forçada só deve ser cogitada após a utilização dos dispositivos do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, leitos em hospitais gerais e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) para álcool e drogas 24 horas. São estes dispositivos, de caráter universal e público, já regulamentados e previstos no âmbito das políticas públicas, que devem ser objeto da destinação de recursos para a sua ampliação e fortalecimento.
Por fim, as entidades abaixo-assinadas, preocupadas com acordos que vêm ocorrendo na contramão do debate público, cobram mais clareza nas intenções políticas e governamentais de financiar as Comunidades Terapêuticas. Ressaltam ainda insatisfação no que diz respeito à inexistência de informações acerca de como e quanto o governo brasileiro já e irá destinar às Comunidades, bem como onde serão alocados esses recursos e para que finalidade.
Assinam esta Nota à Imprensa:
Conselho Federal de Psicologia (CFP)
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila)