Apesar de vivermos em um estado laico, iniciativas para inclusão de conteúdos religiosos em medidas estatais e até mesmo na organização do Estado têm crescido no Brasil. Os movimentos permeiam inclusive os debates relacionados à atuação das autarquias criadas para fiscalização profissional, como é o caso do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Essas e outras reflexões estão presentes no artigo “Laicidade e Conselho Federal de Psicologia: dinâmica institucional e profissional em perspectiva jurídica”, publicado na edição 37.1 da Revista Psicologia: Ciência e Profissão, publicada recentemente na plataforma SciELO.
Roger Raupp Rios, professor da UniRitter/RS com pós-doutoramento em Direito pela Université Paris II, Alice Hertzog Resadori, doutoranda em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rodrigo da Silva, mestre em Direito pela UniRitter/RS, e Daniel Martins Vidor, mestrando em Direito na UniRitter/RS), assinam o artigo.
O CFP divulga semanalmente, no portal institucional e nas redes sociais, um artigo da Revista Psicologia: Ciência e Profissão. A revista tem uma versão eletrônica na plataforma SciELO. É uma forma de a autarquia fortalecer a busca pelo conhecimento científico, divulgando-o para a categoria e para a sociedade.
Segundo os autores, o artigo busca examinar os fundamentos e o exemplo da laicidade constitucional no Brasil e refletir sobre as consequências desse modelo para a vida institucional e a fiscalização profissional do CFP, contribuindo, portanto, para ampliar o debate acadêmico sobre o tema.
Destaca-se ainda que a pesquisa teórica se revela socialmente relevante na medida em que a adoção de posturas democráticas nos debates públicos atuais, como a “cura gay”, a “ideologia de gênero”, as políticas públicas de saúde e o credenciamento de cursos de graduação em Psicologia, perpassa pela compreensão do conceito de laicidade e da sua aplicação ao CFP.
A pesquisadora Alice Hertzog Resadori explicou, em entrevista, a pesquisa.
Qual a relevância do tema?
Os debates presentes no Brasil de hoje sobre o papel da democracia e da laicidade, e suas repercussões no exercício profissional, foram decisivos para a pesquisa. Precisamente por isso, a atividade acadêmica requer uma constante dedicação e compromisso a uma concreta contribuição não só ao meio científico, mas extensiva à sociedade. Nesse sentido, nossos objetivos sempre buscam subsídios a uma transformação social positiva, atentos a valores democráticos e éticos. Especificamente quanto ao tema, o estudo do Direito como ciência não se dá de forma isolada, mas requer o diálogo permanente com outras disciplinas, como a Psicologia. Com isso, a compreensão das normas jurídicas, de suas interpretações e do resultado de suas aplicações, em atenção aos recentes debates pela inclusão de conteúdos religiosos e “cura gay” nas atividades de psicólogo, se mostram relevantes.
Quais os principais resultados da pesquisa?
A profissão dos psicólogos e a dinâmica institucional de seu órgão de classe estão inseridas em uma democracia pluralista, onde está presente a laicidade. Diferentemente do que alguns projetos de poder sustentam, a laicidade é resposta para um convívio pacífico e sem opressão em face da liberdade religiosa de todos, em atenção ao pluralismo e diversidade. Com relação ao Conselho Federal de Psicologia, as reiteradas pressões políticas por pautas favoráveis à “cura gay” não se coadunam com o quadro normativo descrito. Logo, a laicidade, como princípio constitucional, alicerçada nos direitos de liberdade de religião e de igualdade, explicita conteúdo essencial à proteção do interesse público e ao exercício dos direitos humanos, contexto no qual se inclui a atividade dos psicólogos.
Como se compreende o conceito de laicidade e sua aplicação ao CFP?
A compreensão e o aprofundamento do conceito de laicidade possibilitam o controle e fiscalização adequados, do ponto de vista da democracia laica e pluralista, das atividades dos psicólogos pelo Conselho Federal de Psicologia. Do contrário, abre-se espaço para os riscos de uma regulação com base em crenças religiosas, inviabilizando o debate público racional sobre parâmetros de exercício profissional e da atuação do CFP. Trata-se dos valores democráticos constitucionais que informam a missão institucional do CFP, a serem observados não só no exercício profissional, como também na contribuição da Psicologia para as políticas públicas estatais.
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