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18/04/2017 - 15:40

Qual é o gênero da escola que queremos?

Brasil retorna ao passado ao retirar “identidade de gênero” e “orientação sexual” da Base Nacional Comum Curricular proposta pelo Ministério da Educação

Qual é o gênero da escola que queremos?

As expressões “identidade de gênero” e “orientação sexual” foram retiradas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) pelo Ministério da Educação. Ambos os conceitos, assim como o ensino religioso, eram pontos polêmicos desde o início dos debates sobre as mudanças no currículo nacional brasileiro.

O documento é um conjunto de orientações aos currículos que devem ser ensinados nas salas de aula de todo o país. A BNCC elenca conhecimentos essenciais, competências e aprendizagens pretendidas para crianças e jovens em cada fase da educação básica, nas escolas públicas e privadas.

Na versão anterior da BNCC, o capítulo que tratava da importância da “equidade” e da “igualdade” no ensino orientava que “a equidade requer que a instituição escolar seja deliberadamente aberta à pluralidade e à diversidade, e que a experiência escolar seja acessível, eficaz e agradável para todos, sem exceção, independentemente de aparência, etnia, religião, sexo, identidade de gênero, orientação sexual ou quaisquer outros atributos, garantindo que todos possam aprender.” Na versão atual, a frase foi alterada para “a equidade requer que a instituição escolar seja deliberadamente aberta à pluralidade e à diversidade, e que a experiência escolar seja acessível, eficaz e agradável para todos, sem exceção, independentemente de aparência, etnia, religião, sexo ou quaisquer outros atributos, garantindo que todos possam aprender.”

A outra supressão está nas dez competências gerais que devem ser desenvolvidas durante o aprendizado no ensino fundamental. Antes era “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, orientação sexual, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer”. No documento atual, a referência à “orientação sexual” desapareceu.

Outra passagem alterada ocorre em “Vida e evolução”. O documento anterior trazia entre as habilidades a serem desenvolvidas nos alunos a capacidade de “selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética) e a necessidade de respeitar, valorizar e acolher a diversidade de indivíduos, sem preconceitos baseados nas diferenças de sexo, de identidade de gênero e de orientação sexual“. O novo trecho indica que o aprendizado nesta etapa deverá “selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética) e a necessidade de respeitar, valorizar e acolher a diversidade de indivíduos, sem preconceitos baseados nas diferenças de gênero“.

Terceira versão

Esta versão do documento, a terceira, segue agora para apreciação do Conselho Nacional de Educação (CNE), que deve promover cinco audiências públicas em 2017 para discutir a questão com a população. Depois, o parecer deve ser devolvido ao Ministério da Educação.

O Conselho Federal de Psicologia crê que identidade de gênero e orientação sexual são formas de ser e de estar no mundo que devem ser respeitadas e a retirada de ambas as expressões na BNCC representa um retrocesso no enfrentamento à LGBTIfobia e ao machismo presentes em nossa sociedade.

O aspecto educativo da formação da cidadania é fundamental para que as relações sociais sejam pautadas por respeito às diferentes expressões de desejos afetivos e sexuais e formas de vivenciar o gênero. Invisibilizar tais aspectos identitários que compõem às subjetividades é subtrair as possibilidades de entendimento da constituição de si e do outro a partir das relações que estabelecem com os universos social e cultural.

Apagar dos conteúdos pedagógicos a possibilidade de discutir, compreender e respeitar a orientação sexual e a identidade de gênero das pessoas inibe a crítica à “naturalização” dos fenômenos relacionados à sexualidade e ao gênero, enfraquecendo o acesso às produções científicas e psicológicas que há décadas vêm estudando a orientação sexual e as questões de gênero como elementos constituídos no âmbito social, cultural e histórico.

A escola que queremos deve ter todos os gêneros, deve contemplar todos os olhares e modos de ver e viver a vida. Deve ser uma escola plural, capaz de respeitar a diferença em todas as suas formas. Uma escola que estimule o aluno a exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer.

As escolas devem ser ambientes acolhedores das diferenças humanas, proporcionando experiências de convívio social que enfatizem a riqueza da pluralidade que constitui a sociedade brasileira: mulheres; povo negro; populações indígenas, ribeirinhas, quilombolas e ciganas; imigrantes ou refugiados; pessoas com deficiência e com altas habilidades/superdotação; pessoas em sofrimento psíquico, usuárias dos serviços de saúde mental; adolescentes e jovens em conflito com a lei.

Conselho Federal de Psicologia