Se o dito popular diz que a verdade dói, em nosso país a mentira dói ainda mais.
Dói no corpo dos que injustamente são ainda chamados de loucos ou terroristas, na alma das famílias que continuam a perder seus entes queridos para a violência de Estado, que a ditadura militar aprofundou e que as polícias herdeiras daqueles tempos perpetuaram. Dói que “desaparecidos” de ontem e de hoje não possam ser enterrados com dignidade.
Dói que não se tenha consolidado, como em outros países, os museus que exponham a nossa história e memória de períodos totalitários, visitados na Argentina, África do Sul ou Alemanha, espaços que nos permitiriam ensinar que o terror de Estado nunca mais deve se repetir. Dói observar quão raramente se pede perdão pela violência inaceitável.
Dói observar que muitos jovens que cresceram na democracia e não conhecem a história brasileira, resultado da política de silenciamento, defenderiam um golpe contra um governo legitimamente eleito, a arbitrariedade e a tortura depois exposta e amarrada em postes.
Para que o trauma não fique sem a construção de uma representação, para que a história seja escrita posicionada na perspectiva dos direitos humanos e da busca incessante pela paz, para que os que resistiram e sobreviveram às atrocidades de um Estado Tirânico possam escrever seu testemunho, para que os perpetradores da violência ao menos se envergonhem, e, para que a história não se repita como farsa, convidamos os Conselhos Regionais de Psicologia a promover ações ao longo do ano que marca os 50 anos do golpe civil-militar de 1964.
O XVI plenário e seu coletivo ampliado valorizam especialmente a iniciativa da Clínica do Testemunho, iniciativa da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, como um importante trabalho que tem exemplificado a inovação e a especificidade da atuação de profissionais psicólogos e psicanalistas que fazem atendimento individual e em grupo aos anistiados e aos familiares de atingidos pela violência de Estado. Todas as ações de psicólogos dedicados ao cuidado psicossocial nesse campo devem servir de inspiração em todas as regiões do país – lembrando que essa violência de Estado estende o genocídio indígena de cinco séculos e o racismo herdeiro da escravidão, e desde a ditadura civil-militar nunca deixou de afetar o cotidiano de milhares de famílias e produzir sofrimento, especialmente entre os que têm os seus presos arbitrariamente assassinados e desaparecidos.