Crianças são sujeitos em formação, suscetíveis aos apelos da mídia. Com base nesse contexto, entidades do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes no Brasil defendem um nível maior de exigências publicitárias voltadas para esse público. Entre elas está o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que conta com a participação do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
O assunto consta no Projeto de Lei 702/11, que trata da restrição à veiculação de propaganda de produtos infantis, em trâmite na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC) da Câmara dos Deputados.
A Resolução do Conanda nº 163/14 considera abusiva a publicidade e comunicação mercadológica dirigida à criança e estabelece princípios gerais para veiculação de propaganda a esse público. “Não se trata de impedir campanhas de utilidade pública, mas de barrar a abusividade da propaganda, como a comunicação mercadológica em creches e escolas, inclusive em uniformes ou materiais didáticos”, argumentou a colaboradora do CFP Esther Arantes.
A presidente do Conanda, Miriam Santos, explicou que por serem pessoas em desenvolvimento, crianças e adolescentes devem ser protegidos e preservados de abusos do marketing ou da publicidade. “Elas não consomem, o consumismo faz parte da vida dos adultos. Eles que decidem o que comprar”, frisou. “O Conanda pretende uma mudança de paradigma do consumismo para a proteção de jovens”, adiantou.
A regulação ou erradicação de anúncios para o público infantil também está inserida na Constituição Federal (art. 227), no Código de Defesa do Consumidor – CDC (arts. 36 e 37), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código de Autorregulação Publicitária. No Congresso Nacional, tramitam na Câmara os PLs 5921/01 e 702/11, e no Senado os PLs 360/12 e 493/13.
Do ponto de vista da Psicologia, Esther afirma que o ataque massivo da propaganda na cabeça das crianças gera impactos psicológicos que podem causar sentimento de exclusão, não pertencimento e inadequação aos padrões por não possuir determinado produto.
Qual a solução?
Para o CFP e o Conanda, não deve haver restrições apenas em campanhas de utilidade pública que não configurem estratégia publicitária e tratem de informações sobre alimentação, segurança, educação, saúde e itens relacionados ao desenvolvimento da criança. No entanto, elas devem seguir princípios gerais que levem em conta a atenção e o cuidado às características desse público como pessoas em desenvolvimento.
Nos demais anúncios, Esther Arantes foi bem enfática: “Algum tipo de regulamentação é necessária”. Já a presidente do Conanda reforçou que a melhor solução seria que as empresas de publicidade e marketing, bem como as agências reguladoras e a mídia adotassem a prática da proteção ao público infanto-juvenil, e não a imagem de crianças e adolescentes para fomentar o consumo.
Os produtos oferecidos a esse público são variados, e vão desde a alimentação até o vestuário, passando por equipamentos eletrônicos e remédios. “Não existe uma hierarquia entre as piores propagandas, todas consideradas abusivas são nocivas ao desenvolvimento sadio de uma criança ou adolescente”, sintetizou Miriam.
A colaboradora do CFP concordou que não há como hierarquizar qual a publicidade mais danosa. No entanto, ressaltou que existe uma preocupação maior sobre a propaganda de comidas. “O aumento da obesidade infantil tem preocupado os profissionais de saúde”, disse. Dados do Ministério da Saúde divulgados em 2013 apontam que uma a cada três crianças está acima do peso no Brasil.
Esther Arantes frisou, ainda, o impacto de propagandas que incitam a violência, individualismo e competitividade extremada entre os indivíduos, capazes de formar consumidores compulsivos e acríticos. “Por outro lado, existe a preocupação por anúncios dirigidos aos pais com medicamentos e terapias que prometem fazer os filhos mais inteligentes, responsáveis e produtivos, numa medicalização generalizada”, alertou.
O desafio, segundo Miriam Santos, é que profissionais da publicidade e do marketing inventem peças que promovam a proteção integral, sejam capazes de criar oportunidades, e facultem o desenvolvimento físico, mental, moral e social em condições de liberdade e dignidade as crianças e aos adolescentes.
Parecer
Em 2008, o CFP solicitou ao professor Yves de La Taille um parecer sobre publicidade dirigida ao público infantil. O documento indicou que, embora seja louvável que se criem leis e regulamentações para a proteção de crianças e adolescentes de influências externas às quais eles ainda têm dificuldades de perceber e poucos recursos para resistir, vive-se em uma sociedade de mercado.
Desta forma, o parecer concluiu que por mais restritivas que sejam tais regulamentações, a criança ainda será submetida a uma avalanche de mensagens sedutoras, e será ela mesma uma consumidora. Neste sentido o documento enfatizou que, a médio e longo prazo, a educação é o melhor caminho.