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O direito ao próprio corpo e à diversidade de gênero foi o centro do debate realizado na noite desta terça-feira (02), em Brasília, pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Iniciativa da Comissão de Direitos Humanos (CFH) da autarquia, o debate contou com a leitura crítica das normatizações que hoje regulam o atendimento em saúde de transexuais e travestis, e também apresentou propostas para a despatologização à luz dos direitos humanos.
Atual, a pauta está em discussão na Organização Mundial de Saúde (OMS), que está construindo possibilidades para a retirada da despatologização do capítulo de transtornos comportamentais e sexuais. “É um tema que exige várias áreas pensando junto, considerando que as transexualidades e as travestilidades ainda vêm sendo encaradas como patologias de ordem psíquica, e muitas vezes prejudicando o direito de acesso à saúde integral e mental no Brasil”, destaca Marco Aurélio Prado, psicólogo integrante da CDH e professor da UFMG, que mediou o debate.
Com o tema “Despatologização das Identidades Trans e Travestis”, a mesa teve a presença do representante do Conselho Federal de Medicina (CFM), Lúcio Flávio Gonzaga, que apresentou os documentos do Conselho relativos ao tema e destacou a importância da participação de representações dos movimentos sociais, do Ministério da Saúde, do Ministério Público e de todas as categorias envolvidas nos processos de atendimento à saúde dessas populações – como a Psicologia e a Assistência Social – no trabalho de revisão da Resolução nº 1.955/2010 do CFM, que dispõe sobre a cirurgia para transexuais. “Comprometo-me para que todos possam contribuir para a revisão da resolução e trabalhar para que os atores interessados estejam lá discutindo. Considero que se trata de uma situação e não de uma patologia”, destacou.
O médico informou que o CFM pretende iniciar o processo de revisão da resolução ainda em 2015, em princípio, para agregar à regulamentação de normas relativas à hormonização – prática definida pela autarquia por meio do Parecer nº 8/2013, que autoriza a hormonização para o bloqueio da puberdade a partir dos 16 anos. “O parecer demonstra uma decisão importante, que é a assistência a essas pessoas de forma mais precoce o possível”, disse.
Leonardo Tenório, ativista trans, criticou a patologização praticada pela medicina e pela psicologia no atendimento aos transexuais, a despeito da iniciativa de diálogo do CFM e do Parecer nº 8/2013, considerados positivos. Em sua apresentação, Tenório explanou as incongruências e conflitos das normas brasileiras que regem o atendimento em saúde às pessoas trans. Apontou falhas na Resolução do CFM que, segundo ele, tem revisões inconsistentes desde a sua criação. Tenório destacou a necessidade da troca do termo “transgenitalismo”, a diminuição da autorização para a realização de cirurgias de 21 para 18 anos e a retirada da obrigatoriedade dos dois anos de acompanhamento. “Tem gente que desiste dos dois anos de atendimento e busca a forma clandestina, simplesmente porque não aceita todo o processo. Ser uma pessoa trans é fazer parte da diversidade humana tanto quanto a homossexualidade. Mas, no caso, é uma diversidade de gênero”, disse.
A professora Paula Sandrine Machado (UFRGS) fez uma comparação com a situação de patologização e medicalização das pessoas intersexuais. “A intersexualidade, de forma geral, é lida como uma questão médica e não de direitos humanos. Existe uma série de normatizações sustentadas pela Psicologia e a Medicina baseadas em padrões de normalidade que os definem como ambíguos ou incompletos”, destaca, alertando para o caráter violentador de alguns diagnósticos médicos que “enquadram a diversidade corporal e a diversidade das expressões de gênero e as medicalizam”.
A Psicologia e a despatologização
Apesar de a Psicologia ter se posicionado pela despatologização das identidades trans e travestis já em 2011, Leonardo Tenório apontou como problemática a defesa da compulsoriedade do atendimento psicológico, definida em nota técnica emitida pelo CFP sobre processo transexualizador e demais formas de assistência em 2013.“Positivamente, o CFP vem dando mais atenção às necessidades das questões trans de forma que faça mais parte do contexto do que tem sido estudado, praticado e demandado pela população e pelo movimento social atualmente. Só que, na nota (do CFP), não se coloca um posicionamento a respeito da compulsoriedade da psicoterapia. Eu vejo isso como algo problemático. O vínculo da pessoa que está sendo atendida com o profissional deve ser voluntário e não compulsório. São regras como estas que acabam se impondo à gente”, lamentou.
De acordo com representante do CFP, a nota técnica carece de revisão e também de avanço em alguns pontos, resguardando a sua adesão fundamental a luta pela despatologizaçao trans. “Ela é produto de um certo consenso temporário. Essa revisão deve tocar nos pontos da compulsoriedade e refletir sobre as consequeência dos ideias normativos sobre os gênero que a cada dia se impõe pelos discuros psicológicos e psicodiagnósticos”, disse Prado.
Para ele, deve-se, ainda, reavaliar a questão dos diagnósticos e a produção de laudos “pensando a avaliação psicológica de um outro lugar, para que não seja diagnóstica, jurídica e prescritiva sobre a vida e a experiências das pessoas”. Ele destacou que existem trabalhos alternativos realizados por psicólogos (as) que não passam necessariamente pela construção de laudos, mas se constituem em práticas em direitos humanos muito bem-sucedidas e em vários países. O representante se comprometeu a incluir na campanha da despatologização das identidades trans e travestis, realizada pelo CFP, a discussão coletiva sobre a revisão da nota técnica da autarquia.
Os representantes das autarquias sinalizaram a continuidade do debate sobre o tema em reuniões e junto aos movimentos sociais. “Trabalhamos para melhorar o acesso aos direitos, à saúde e ao bem-estar da população LGBT. No CFP, temos uma pauta que é incrementar os diálogos sobre o tema, pensar em fóruns regionais que reúnam profissionais, CFM, Conselho de Serviço Social e o movimento social para que possamos culminar em uma saída digna para concretizar uma série de direitos que estão sendo negados e/ou violados. Todos estamos levando trabalho para casa depois desse debate”, finalizou Prado.
Interatividade
Mais de 700 pessoas acompanharam o debate ao vivo pela Internet, e cerca de 40 enviaram questões aos debatedores, interagindo via e-mail e redes sociais. As perguntas que não foram respondidas ao longo do debate serão encaminhadas posteriormente por e-mail.
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