Encerrou nesta terça-feira (24), o I Simpósio de Saúde Mental e Gestão integral de Riscos e Desastres: “O desastre no foco da saúde mental discutindo e construindo um novo futuro”, em Brasília, na sede da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). O Simpósio contou com a participação de psicólogas (os) da Comissão de Emergências e Desastres do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
No primeiro dia do evento, as discussões se pautaram pelas políticas públicas, os atores e as redes da área de saúde e segurança que atuam em situações de desastres e emergência. No segundo dia, os participantes discutiram formas de articular essas redes e atores para uma intervenção qualificada em saúde mental na gestão de desastres e emergências. Depoimentos de afetados e profissionais, que já atuaram em situações de desastres, auxiliaram na condução das discussões.
O relato de Sueli Lina de Morais Silva, vitima do acidente radiológico com o Césio-137 ocorrido em Goiânia em 1987, chama a atenção do quanto é importante o trabalho dos profissionais da saúde, em especial da Psicologia, no primeiro contato com a vítimas buscando o empoderamento dessas pessoas. Sueli é presidente da associação das vítimas do Césio (AVCésio) e lamenta que há 28 anos, época do acidente, não foi dado às vitimas um acompanhamento psicológico. De acordo com ela, a ausência desse tipo de atendimento, nos dias seguintes ao acidente, contribuiu para o agravamento do sofrimento psicológico que as vitimas carregam até hoje. Mesmo assim, Sueli conta que as vitimas, que são mais de 100, conseguiram se articular e o desafio é fazer com que o país não esqueça essa tragédia. Ela aponta que essa é umas das razões da sua presença nesse Simpósio.
“A gente vem participar porque não queremos que seja esquecido. Por isso estamos presentes para contar essa história e não permitir que ela aconteça de novo” diz Sueli. Se para os afetados é fundamental um atendimento qualificado, para quem trabalha nessas situações é preciso, acima de tudo, entender a estrutura de organização nesses locais para que o trabalho inicial de atendimento às vítimas não coloque em risco a vida de mais pessoas, e para que se obedeça certa organização, fortalecendo a rede dos profissionais presentes nessas situações.
Para Sandro Shottz, bombeiro e integrante da Associação de Moradores do bairro Córrego d’Antas –Nova Friburgo no Rio de Janeiro, empoderar a comunidade é fundamental para auxiliar na reorganização da comunidade. Sandro participou dos primeiros socorros às vitimas dos deslizamentos de terra na região Serrana do Rio de Janeiro em 2011, consequência de fortes chuvas, e destaca o quanto é importante uma organização para esse primeiro atendimento.
“Participei do socorro, resgate de feridos e buscas aos cadáveres na comunidade, organizando os jovens também para esse trabalho. Quando tomei pé da situação, depois que entendi a dimensão da coisa, comecei a orientar as pessoas e entrar em contato com os profissionais da saúde para continuarmos o trabalho. Tudo improvisado, mas tive sorte porque esses jovens se colocaram sob o meu comando, e com a experiência de bombeiro, eu consegui coordenar isso”.
Os desafios da psicologia
Para os profissionais da Psicologia que participam desde ontem do Simpósio, a categoria tem muitos desafios nessa área e muitos deles passam pela formação dos profissionais, que carecem de disciplinas, materiais e estudos na área de gestão integral de riscos e desastres. Sara da Silva Menezes é estudante de Psicologia do Grupo de Pesquisa de Saúde em Desastres da Universidade de Brasília (UNB). O grupo, que surgiu em 2015, é um dos organizadores desse Simpósio e propôs o evento pela carência de debates sobre o tema na Universidade. Além do Simpósio, o grupo tem se debruçado na produção cientifica sobre o tema.
“São muitos os desafios, não somente no sentido de formação, mas tendo em vista as questões que estão surgindo sobre o tema, posso dizer que é uma questão de pensar a atuação do psicólogo, uma política de saúde mental em desastres, de quais intervenções podemos nos utilizar, além de delimitar esse conceito de desastres. Que fenômeno é esse que estamos tratando?”, aponta Sara.
O psicólogo Sérgio Rossi, que trabalha na Secretaria de Saúde de Mariana, em Minas Gerais, e participou dos primeiros atendimentos às vitimas, após o rompimento da barragem no município de Bento Rodrigues, também lamenta a ausência de uma abordagem do tema nos cursos de graduação de Psicologia. Ele, por exemplo, aponta que sua formação para atuar na área de emergências e desastres foi feita fora da universidade.
O psicólogo destaca que a categoria precisa entender o seu papel para atuar nessas situações. “Existe uma lógica de entender que você pode transportar a sua atuação no contexto normal para uma situação dessas, às vezes, há uma predominância de uma escuta clínica, e não é. É um contexto que exige uma atuação e exercício da Psicologia muito específico. Não é apenas atuar como nas politicas publicas, e simplesmente transportar isso para esse contexto. Fundamental é entender o que precisa ser feito nas várias etapas do processo. Os primeiros cuidados psicológicos, por exemplo, eles podem não ser feitos por profissionais da saúde mental. Existe em cada fase uma atuação especifica. Primeiro você entendo o que acontece, o momento de escuta, acolhida, sem tentar suprimir o sofrimento dessa pessoa. No segundo momento, aí sim a atuação dos psicólogos é muito importante para mostrar que a situação é difícil, é angustiante, mas que ele tem condições de sair dela. É o suporte, o empoderamento dessas pessoas” diz Sérgio.
A psicóloga Ionara Rabelo, da Comissão de Emergências e Desastres do Conselho Federal de Psicologia (CFP), coordenou um dos Grupos de Trabalhos do Simpósio, na tarde de terça-feira (24). Além dela, também participaram do evento a coordenadora da Comissão de emergências e desastres do CFP, Eliana Torga, e as psicólogas Débora Noal, Ana Cecilia Weintraub e Leticia Nolasco foram organizadoras do evento, além da psicóloga Samira Younes Ibrahim, que também estava presente no Simpósio.