“A gente não tem perspectiva de vida, nós temos expectativa de morte”. A declaração é de um adolescente, morador de periferia, em um vídeo exibido durante uma das mesas de debate do Seminário “25 anos do ECA: Refletindo sobre sujeitos, direitos e responsabilidades”, promovido pelo CFP na PUC Minas (Belo Horizonte). O vídeo é resultado de oficinas com jovens que tinham como proposta abordar as questões étnico-raciais.
Os impasses nas determinações judiciais e execuções das medidas protetivas e socioeducativas foi o tema dessa mesa. A avaliação dos debatedores aponta que é preciso transformar a lógica que prevalece no atendimento a jovens em conflito com a lei, que é punitiva.
“Os avanços são inegáveis desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, porém precisamos resolver a questão da expectativa desses adolescentes que ainda não avançou. Precisamos sair da lógica punitiva para a educativa”, alerta a psicóloga Márcia Passeado, pós-graduada em Saúde Mental e Trabalho e Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte, e que, atualmente, é responsável pela Gerência de Coordenação das Medidas Socioeducativas. Passeado foi mediadora do debate. De acordo com ela, a categoria, assim como outros profissionais que atendem esses jovens, possuem dificuldades em pensar uma lógica socioeducativa quando os adolescentes que chegam para receber essa proteção vêm das ruas.
A psicóloga escolar integrante da Comissão de Educação do CFP, graduada pela Universidade Católica de Brasília (UCB), pós-graduada em Clinica e Família pelo Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) e Desenvolvimento Humano e Inclusão pela Universidade de Brasília (UnB), Vanuza Célia Sales Silva, também destacou os avanços nas políticas de proteção à infância e a juventude, por meio de conceitos consolidados pelo ECA, mas ela avalia que ainda há muito o que ser feito quando o assunto é acolhimento.
“Desde a Constituição nós temos um projeto de vanguarda, os dados são alentadores e a politica é complexa. Mas nós psicólogos precisamos avaliar como alcançaremos esses jovens aliando a psicologia jurídica com a psicologia do desenvolvimento humano”.
Para ela, as medidas socioeducativas precisam superar os impasses presentes na assistência jurídica aos jovens infratores. Ela lembra que a Justiça juvenil tem um enfoque minorista, onde o jovem já chega com o olhar da sociedade, que em geral, é de que ele é pobre, perigoso e infrator. Além disso, ela destaca que, muitas vezes, o direito à educação para eles vêm como uma imposição jurídica e não por meio de um diálogo. Outros problemas, apontados por ela, seriam o desrespeito do direito desse jovem ter a sua situação infracional colocada em sigilo e e a morosidade do judiciário – problema que atinge não somente aos jovens infratores mas a sociedade como um todo. Esse aspecto faz com esse adolescente não tenha perspectiva de abandonar o cumprimento dessas medidas socioeducativas.
Por fim, Silva destaca a importância da multidisciplinariedade entre os profissionais das diversas áreas. “É preciso um diálogo constante entre os profissionais da área da saúde, educação, judiciário. E jamais a interferência de um profissional na área do outro”, conclui.
Essa multidisciplinariedade entre os profissionais das diferentes áreas que atuam com situações envolvendo jovens infratores foi fundamental para que Camila Nicácio, professora Adjunta do Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Programa de Pesquisa e Extensão Clínica de Direitos Humanos (Direito-UFMG), aprofundasse sua atuação com jovens infratores.
Ela recebeu um e-mail de uma médica que pediu sua ajuda para um caso e contou a história de uma menina travesti encarcerada com outros meninos. Muitos consideravam a atitude da menina como puro instinto de sobrevivência, outros como forma de enganar os profissionais de segurança, saúde e de justiça. De acordo com ela, foram inúmeras reuniões com profissionais dessa área para debater o caso no Grupo Clínica de Direitos Humanos (UFMG). Nesses debates, ela percebia como as ideias dos profissionais também eram díspares. Para ela isso mostrava o quanto era preciso dialogar e encontrar respostas conjuntas para o caso. O que também mostrou a esses profissionais o quanto eles necessitavam ampliar seus conhecimentos nas questões de gênero, bem como de ter o cuidado na assistência dessa adolescente vivendo uma transformação de identidade.
“Ela não era aceita no mesmo espaço de reclusão que os meninos e quando era colocada com as meninas, o deixavam isolada temendo que ela pudesse assediá-las. Enquanto que ela, quando estava com as meninas cuidava delas. E estudando esse caso nós conseguimos levar essa discussão para o sistema socioeducativo”, conta ela. Para Camila Nicácio, um caso de “um sujeito pela metade de direitos”, como ela intitulou sua apresentação no Seminário.
As atividades do Seminário continuam nesta sexta-feira (27) , a partir das 8h no Campus da PUC Minas. Confira a programação: http://bit.ly/1kwGd9R