“As elites históricas que eram donas das pessoas escravizadas e das terras, depois só das terras e hoje dos meios de produção vão um dia acordar e reconhecer que subjugaram tanta gente por tanto tempo? Se a gente não acredita nisso, só há duas alternativas: ou continuamos como estamos ou nos organizamos e tomamos deles”.
A provocação é de Douglas Belchior, professor e ativista do movimento negro, que participou da mesa “Violências e criminalização: da negligência do Estado, da família e da sociedade ao estigma da delinquência”, realizada na tarde desta sexta (27) durante o Seminário “25 anos do ECA: Refletindo sobre sujeitos, direitos e responsabilidades”, que acontece em Belo Horizonte (MG).
Em sua apresentação, Belchior resgatou elementos dos 400 anos de escravidão no Brasil e seus reflexos nos dias de hoje, explicitados no cenário de genocídio da juventude negra. Para ele, esse quadro é agravado pelo fato de os brasileiros não acessarem informações sobre aquele período. “Quantos filmes sobre a escravidão brasileira existem? Choramos muito mais a escravidão dos EUA do que a nossa”.
Ao exemplificar a construção do imaginário das drogas como principal motor da criminalização dos jovens, sobretudo pobres e negros no Brasil, ele aponta o Estado como promotor central da perpetuação da violência. “Em São Paulo, a Polícia Militar matou 600 pessoas só no ano passado. A criminalização tem raízes históricas e um responsável fundamental: o Estado”, afirma.
Cristiane de Freitas Cunha, professora de pediatria e coordenadora da disciplina de Medicina do Adolescente do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), relatou suas experiências com atendimento a jovens em situação de violência. “Muitas vezes, recebemos adolescentes que já estão no socioeducativo, acuados. Boa parte chega com medida protetiva ou ordem judicial. Percebemos que é um sistema perverso. Só quando o jovem comete uma infração e sela esse destino é que alguma coisa de um vínculo já rompido há muito tempo com a saúde e a escola é vislumbrado de novo, mas é remendar algo que já estava desgastado”, lamenta.
Ela apresentou, ainda, elementos da pesquisa que desenvolve junto à universidade para mapear as causas de mortes de adolescentes. “É preciso ressaltar a trajetória pregressa de exclusão e violência sofrida por cada um deles para que isso possa nos ensinar outros caminhos”.
O Seminário “25 anos do ECA: Refletindo sobre sujeitos, direitos e responsabilidades” acontece na PUC Minas (Belo Horizonte). Durante os dois dias de atividades estão sendo realizados debates, reflexões e oficinas sobre temas como o papel das políticas de infância e adolescência no Brasil ao longo da história, os impactos das medidas socioeducativas e de responsabilização progressiva e a proteção social de crianças e adolescentes em serviços de acolhimento institucional, bem como o papel dos conselhos tutelares, dos profissionais que atuam nesses espaços e da universidade, entre outros.