Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Muito se fala de que o Estado brasileiro tenha um caráter laico e que, por isso, não estabelece, nem pode estabelecer, alianças ou relações de dependência com qualquer culto religioso, nem pode propor ações que embaracem o funcionamento de cultos de qualquer natureza. Bem, é assim, teoricamente. Pelo menos esse princípio, o da liberdade de crença, de culto, de liturgias e de organização religiosa, está consagrado na letra da lei brasileira, na nossa Constituição.
Isto posto, no entanto, são freqüentemente sabidas as denúncias que insurgem, de violações de direitos fundadas em credo religioso no Brasil.
Muitas vezes, o preconceito existe e se manifesta mediante a humilhação imposta ao outro, o diferente. Nesse contexto, é de se ver um verdadeiro hiato entre os direitos “assegurados” pela Constituição e o cotidiano de violações de direitos que vitimizam, em diferentes escalas, membros de diversas agremiações religiosas, como os Adventistas do Sétimo Dia, os fiéis das religiões de origem afro-brasileira, os judeus e os muçulmanos, dentre outros representantes das diferentes religiões.
Especificamente sobre os judeus, não raramente membros da comunidade judaica brasileira são vítimas de ameaças anônimas, pichações em logradouros públicos e propagandas anti-semitas veiculadas em diversos meios. Já para os muçulmanos, por exemplo, sobretudo após os chamados “ataques de 11 de setembro”, freqüentemente vem a associação, de diferentes formas, estas muitas vezes camufladas, ao terrorismo e ao banditismo, seja em escolas, nas comunidades e até nos veículos de comunicação.
Outra situação onde se pode observar o desrespeito em razão de opção religiosa vemos com os citados Adventistas do Sétimo Dia: por guardarem o sábado como dia sagrado, e não o domingo, lembrando que o sábado tem início no crepúsculo da sexta-feira, esses são alcançados por discriminações de toda ordem na área do ensino, do trabalho, em concursos públicos…
Outra categoria dos religiosos, os Testemunhas de Jeová, em função de preceitos religiosos em se que proíbem de determinados procedimentos médicos, dentre os quais a transfusão de sangue, não raramente estes entram em choque com o Poder Público, ao pretenderem fazer com que a norma religiosa sobreponha-se à norma jurídica. Isso quando não são ridicularizados por suas escolhas pessoais…
Por sua vez, a intolerância de natureza religiosa, que camufla a intolerância racial, que se abate sobre as religiões afro-brasileiras configura uma das faces mais abjetas do racismo nacional. Resta ver que,por exemplo, na cidade de São Paulo, ainda nos dias de hoje, nenhum templo de Candomblé tem assegurada a imunidade tributária, seus ministros religiosos não conseguem obter inscrição no sistema de Seguridade Social (nesta qualidade, como demais representantes de outras seitas, religiões e filosofias) e os cartórios se recusam a reconhecer a validade dos casamentos celebrados pelo Candomblé. Boa parte desses ditos ministros, geralmente pessoas de origem extremamente humilde, envelhecem e morrem sem ter acesso à Previdência Social, e são freqüentes as denúncias de invasão dos templos, praticadas por maus policiais, sem mandado judicial e a qualquer hora do dia ou da noite, expondo quem tem essa fé à execração pública. Não é à toa que os programas religiosos televisivos, nas concessões a igrejas, inúmeras vezes buscam ridicularizar, satanizar e desqualificar as religiões afro-brasileiras, incutindo o preconceito, a intolerância religiosa e induzindo os telespectadores a discriminarem as religiões afro e seus membros. “Esquecem-se” de que, como concessões públicas, já que TV?s de canais abertos, deveriam servir a todos os brasileiros, e não somente a grupos específicos…
Nesta esfera, duas decisões emblemáticas, adotadas nos últimos anos, apontam caminhos: a primeira, no âmbito do Poder Público, foi a recriação, em São Paulo, da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância; e a segunda, também em São Paulo, foi a recente criação da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do Conselho Seccional da OAB.
A Comissão de Direitos Humanos do Sistema Conselho coloca agora esta questão para debate. Os crimes, o preconceito e o desrespeito religioso geram sofrimento humano, e isto está na nossa seara de atuação. Debater o preconceito religioso, desvencilhando-se dos nossos próprios preconceitos e das nossas opções, quando as temos, religiosas, eis o desafio. O debate está posto. Precisamos levá-lo aos nossos campos de atuação. Como diz Nelson Mandela, ” ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, pela sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”.
Comissão Nacional de Direitos Humanos
Sistema Conselhos de Psicologia