Desenvolver ações de prevenção para antecipar o uso de drogas e superar o modelo da prevenção baseado somente na informação e na lógica do amedrontamento, da “pedagogia do terror”, são as questões discutidas no artigo “Desafios da intersetorialidade na implementação de Programa de Prevenção ao Uso Abusivo de Drogas”, publicado na edição 37.4 da revista Psicologia: Ciência e Profissão. O texto é de autoria das pesquisadoras Girlane Mayara Peres eDaniela Ribeiro Schneider, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e de Tânia Maris Grigolo, do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) publica artigos da revista no site e nas redes sociais – a versão eletrônica da Psicologia: Ciência e Profissão está na SciELO– para disseminar o conhecimento científico para a categoria e a sociedade.
Fizemos entrevistas semiestruturadas e organizamos grupos focais com 18 profissionais e gestores dos setores da educação e saúde do município de Florianópolis, envolvendo três escolas e três unidades básicas de saúde (UBSs). Os resultados indicam que os profissionais perceberam que a necessidade de criar estratégias conjuntas de intervenção para a implementação do programa foi positiva. Contribuiu, ainda, para a aproximação da saúde com o espaço escolar, indicando que a ação conjunta ampliou o cuidado às famílias que procuravam a UBS, e facilitou, por sua vez, o acesso integral aos estudantes.
As dificuldades de atuação conjunta apontadas pelos entrevistados foram: atravessamento de questões políticas; personalização das relações intersetoriais; compreensão do significado de intersetorialidade na prática cotidiana dos serviços; e excessivas demandas cotidianas de trabalho que impedem o envolvimento dos profissionais em novos projetos.
Segundo as pesquisadoras, o desafio da implementação conjunta de ações no programa preventivo mobilizou os setores e significou um estímulo à aproximação intersetorial para solução de problemas relacionados ao uso de drogas.
Em entrevista, Girlane Peres conta mais detalhes da pesquisa.
Entrevista
O que as motivou a pesquisar o tema?
O Núcleo de pesquisas em Clínica da Atenção Psicossocial (Psiclin) da UFSC, coordenado pela professora Daniela Ribeiro Schneider, de quem minha orientadora, Tânia Maris Grigolo, é parceira, se dedica a realizar estudos e pesquisas em prevenção desde 2012. Discutíamos a importância de se desenvolver ações de prevenção, como atitudes que se antecipam à instalação do uso problemático de drogas, e também a incipiência, no Brasil, de estudos sobre essas ações. Acreditávamos ser necessário fortalecer e trazer parâmetros, já consolidados internacionalmente, que superam o modelo da prevenção baseada somente na informação e na lógica do amedrontamento, a chamada “pedagogia do terror”. Os indicadores de efetividade em programas preventivos passavam pela proposição de metodologias participativas, no qual crianças e adolescentes são corresponsáveis pelas ações e focadas em habilidades de vida.
Em 2013, o Psiclin ganhou um edital do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (Unodc) e da Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, para financiamento de projetos de prevenção na área, dentro de linhas programáticas do Plano Crack é Possível Vencer, do Governo Dilma Rousseff. A partir daí, o Psiclin foi convidado a compor uma equipe multicêntrica que faria parte de um projeto maior, envolvendo a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Universidade de Brasília (UNB), para adaptação e avaliação de programas preventivos baseados em evidência para a realidade brasileira. Foram três programas: o Unplugged, para adolescentes, de origem europeia; o Good Behavior Game, de norte-americano; e o Strenghtening Families Program, britânico.
Desde 2013, professores e estudantes de graduação e pós-graduação do Psiclin se envolveram nesse projeto maior, que até agora resultou em seis dissertações, uma tese e algumas publicações, dentre eles a dissertação de Girlane Peres e este artigo, relacionado à adaptação do Unplugged, em sua dimensão intersetorial.
Quais os resultados do levantamento?
Um dos resultados do projeto de adaptação de programas preventivos baseados em evidência, parceria do Governo Federal e universidades, resultou no tema deste artigo, que focou a avaliação das relações intersetoriais ali estabelecidas. Isso porque esse projeto foi planejado e implementado pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde como intersetorial desde seu início, com ações articuladas entre a educação e a saúde. Esse foi um dos pontos fortes do projeto, pois viabilizou, a partir de uma ação prática, a realização de uma atividade preventiva, o diálogo e a articulação entre áreas antes distantes.
A implementação do programa de prevenção foi pensado e implementado intersetorialmente e houve relação intersetorial em todos os níveis, do planejamento, à execução e à replicação.
Como essa articulação não é fácil de ser efetivada e enfrenta desafios, chegamos a dois grandes impasses: a falta de conhecimento de alguns profissionais e gestores sobre o significado de intersetorialidade e sua realização e as relações políticas já estabelecidas.
Como a Psicologia pode contribuir para o fortalecimento da intersetorialidade?
Com as mudanças nos currículos dos cursos de Psicologia em diversas universidades, que ampliam o olhar do profissional para além do foco na doença, as relações intersetoriais se colocam como um desafio para a prática dos psicólogos. A realidade exige que o psicólogo “saia do seu quadrado”, que as ações envolvam a articulação da Saúde, junto com a Educação e a Assistência Social, tanto na gestão de casos quanto na elaboração de projetos terapêuticos singulares.
Assim, o saber-fazer do psicólogo, por ser um profissional que hoje se encontra em muitos setores, pode contribuir para fortalecer a intersetorialidade, se ele souber se abrir ao diálogo e como alguém que se propõe a tarefa de estabelecer conexões entre setores, visando espaços potencializadores de vida.