Comunidades terapêuticas não são equipamentos de saúde e precisam ser fiscalizadas pelo governo federal. Esse foi o entendimento da desembargadora federal Consuelo Yoshida, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), durante audiência, dia 19 de junho, com representantes do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi). A audiência tratou da Resolução 01/2015 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), que regulamenta as comunidades terapêuticas (CT).
Além desse entendimento, a desembargadora incluiu no processo o Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, realizada pelo CFP, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF). “A desembargadora incluiu na ata que o governo federal é responsável por fiscalizar todas as comunidades terapêuticas e precisa construir uma estratégia e um sistema nacional de fiscalização em todas essas instituições”, contou Leonardo Pinho, do CNDH e diretor da Associação Brasileira de Saúde Mental, que estava presente à audiência. Segundo Pinho, ela também sugeriu a criação de um grupo de trabalho, com participação da sociedade civil, para pensar o formato dessa fiscalização.
Com a decisão de que comunidades terapêuticas não são equipamentos de saúde, essas instituições não deveriam receber dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS) e nem poderiam ter qualquer tipo de internação, mesmo que voluntária.
O presidente do CFP, Rogério Giannini, também participou da audiência no TRF-3. Ele falou sobre a importância de se ocupar os espaços de representação e diálogo. “O despacho da desembargadora, mesmo que mantenha a validade da resolução do Conad, aponta avanços, como a fiscalização e a determinação que as comunidades terapêuticas não são estabelecimentos de saúde.” Isso mostra, segundo Giannini, a importância da manutenção dos canais de diálogo e de pressão.
“Na audiência, a representante do Ministério da Justiça afirmou que fazem fiscalizações e admitiu que as comunidades terapêuticas mencionadas no nosso Relatório da Inspeção Nacional foram descredenciadas, sem dizer qual o problema que apresentavam. Falou, inclusive, em mais de 70 descredenciamentos, o que corrobora nossa posição frente às CTs. Diante disso, nós vamos solicitar formalmente o resultado dessas fiscalizações e o que levou tantas CTs a serem descredenciadas”, afirmou Giannini.
Para a vice-presidente da Fenapsi, Fernanda Magano, a audiência foi fundamental para explicar à desembargadora e aos representantes do Procuradoria Estadual dos Direitos do Cidadão e do Ministério Público de São Paulo que as comunidades terapêuticas não são estabelecimentos de saúde. “E, por isso, reafirmamos a inadequação e a ilegalidade do repasse financeiro feito pelo Ministério da Saúde.” Magano garantiu que as entidades seguem na luta, pois a resolução do Conad continua válida e representa um atraso histórico na luta antimanicomial.
Leonardo Pinho completou: “Diante da amostragem feita nas inspeções do CFP, MNPCT e PFDC, que apontou violações gravíssimas aos direitos humanos nas comunidades terapêuticas, é necessário e urgente que todas as mais de 2 mil instituições do país sejam fiscalizadas”.
Entenda o caso
Esta foi a segunda audiência sobre o tema, motivada por uma ação da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo (PRDC) contra a Resolução 01/2015, por entender que o Conad não teria atribuição de decidir sobre a regulamentação das comunidades terapêuticas, por estas não estarem ligadas apenas ao Ministério da Justiça, mas também à Saúde, à Assistência Social e aos Direitos Humanos.
Na primeira audiência, a desembargadora decidiu que a resolução do Conad é válida, mas concordou que seria necessário consultar as demais áreas sobre o assunto. E deu três meses para que os conselhos dessas áreas se manifestassem. Na segunda audiência, realizada no dia 19, CFP, CNDH e Fenapsi levaram os posicionamentos dos conselhos, assim como o da Frente Antimanicomial de São Paulo e da Plataforma Brasileira de Drogas. A partir desse encontro, Consuelo Yoshida acolheu os argumentos e estabeleceu que as comunidades terapêuticas não são equipamentos de saúde.