Em 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou e proclamou solenemente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Passados sessenta anos, é possível afirmar, com segurança, ter sido esse um acontecimento histórico de indiscutível relevância, um fato decisivo que se inscreve na categoria dos raros eventos inaugurais de determinadas fases da história das sociedades.
Pela primeira vez, a concepção de vida internacional se afastava do estrito campo das relações entre Estados, fortemente assinalado pelo formalismo e pelos interesses mais imediatos dos países, para se estender a outros campos, justamente por afirmar o papel fundamental dos direitos humanos na configuração, em escala mundial, da vida em sociedade. Nessa perspectiva, pode-se dizer que a declaração também abriu o caminho para que a agenda internacional absorvesse temas os mais distintos, os quais, até então, estiveram ausentes do grande mundo da política mundial. Seriam os casos, entre outros, do meio ambiente, da condição feminina, da moradia, da vida nos grandes centros urbanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos também tem sua história. Muito do que ela contém deriva das condições gerais vigentes no mundo, na primeira metade do século 20. Afinal, essa verdadeira “era dos extremos”, como o século passado bem definido por Eric Hobsbawm, foi pródiga em conquistas extraordinárias, particularmente sob o ponto de vista do desenvolvimento científico, e em tragédias inomináveis, como atestam as recorrentes práticas de genocídio. Acima de tudo, o flagelo material e humano representados pelas duas guerras mundiais, sobretudo quando vieram ao conhecimento geral as atrocidades cometidas pelo nazismo, a exemplo dos campos de concentração, exigia uma nova ordem internacional assentada em princípios como os da paz, da cooperação, da autodeterminação dos povos, da liberdade e, centralmente, do respeito aos direitos essenciais que dignificam a vida humana.
Elaborado em contexto histórico difícil e tenso, marcado pelo início da bipolaridade americano-soviética, que sobreviveria por algumas décadas e conhecida como Guerra Fria, o texto da declaração contém trinta artigos e um preâmbulo que fundamenta a natureza do documento. Ele recolhe contribuições do passado, como os princípios norteadores da independência dos Estados Unidos (1776) e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada no processo revolucionário francês iniciado em 1789, traduzindo-os para a realidade contemporânea. Além disso, ela se apropria de famoso discurso do presidente Roosevelt (1941), em que estão destacadas as quatro liberdades por ele identificadas como fundamentais para a construção do mundo futuro: a liberdade da palavra e de expressão, a de religião, a de viver livre da miséria e a de viver sem medo.
A equipe encarregada de redigir o documento contou com a presença de um brasileiro, o jornalista e escritor (por décadas presidente da Academia Brasileira de Letras) Austregésilo de Ataíde, a quem coube pronunciar o discurso na sessão em que o texto foi aprovado. Na votação final, o texto recebeu 48 votos, nenhum contra, mas oitos países abstiveram-se de votar, entre eles a União Soviética.
Fonte:
Correio Braziliense
Caderno:
Gabarito
Autor:
Antonio J. Barbosa, professor no Departamento de História da UnB