
A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados promoveu, na quarta-feira (3), audiência pública para discutir a Resolução 487/23, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, com medidas voltadas para o atendimento a pessoas com deficiências psicossociais em conflito com a lei.
A Resolução 487/23 estabelece diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei da Reforma Psiquiátrica no processo penal e na execução das medidas de segurança.
O cerne dos debates foi identificar as causas da implementação incompleta da resolução, analisar as condições dos estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátrico (ECTPs) e instituições com características asilares ainda em funcionamento, bem como, conhecer experiências de desinstitucionalização.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) foi convidado a apresentar dados do Relatório da Inspeção Nacional: Desinstitucionalização dos Manicômios Judiciários, recentemente lançado pela autarquia, em uma parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A presidenta do CFP, Alessandra Almeida, destacou os principais pontos do levantamento, que traz um amplo diagnóstico sobre o funcionamento e as atuais condições de manicômios judiciários no Brasil. “A inspeção foi realizada dez anos após o primeiro diagnóstico feito pelo CFP sobre o tema, em 2015, e mostra que esses estabelecimentos seguem unindo o pior da prisão e do hospício”.
Alessandra Almeida pontuou que o estudo identifica que a negligência, a lógica do castigo, a violação e o abandono estatal que chega a resultar em prisões perpétuas são marcas dessas instituições, marcando a assertividade da Resolução CNJ 487/23 ao determinar o fechamento desses estabelecimentos e o encaminhamento para o cuidado na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
“O levantamento identificou que boas experiências de desinstitucionalização já estão sendo implementadas em diferentes estados, o que reforça a necessidade de direcionar recursos e fortalecer essa rede de cuidados no âmbito do SUS e do SUAS”, destacou.
Diante dessa necessidade, o Conselho Federal de Psicologia tem investido em diálogos com instituições públicas e atores relevantes para transformar a política de cuidado em saúde mental. “O lançamento do Relatório de Inspeção no Congresso Nacional é mais uma ação dessa incidência estratégica e que busca dar concretude a esse trabalho, cujo propósito é justamente pautar o Estado brasileiro e as casas legislativas para a melhoria das políticas de saúde mental no Brasil”, afirmou.
Política Antimanicomial
Propositor da audiência, o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) destacou que o estabelecimento de uma política antimanicomial na execução de medidas de segurança, por meio da resolução, é uma demanda antiga na agenda dos direitos fundamentais no Brasil e objetiva garantir um tratamento voltado ao suporte e à reabilitação psicossocial por meio da inclusão social.
“Neste sentido, uma de suas mais importantes determinações é o fechamento total de todos os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico do país”, afirmou o parlamentar.
A audiência também demonstrou experiências estaduais exitosas de políticas antimanicomiais no poder judiciário, antes mesmo da promulgação da resolução do CNJ.
Haroldo Caetano, do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator, falou da experiência do estado de Goiás que erradicou a utilização de manicômios judiciários no ano de 2006. Ele afirma ser possível o funcionamento de um sistema de justiça sem manicômio judiciário, com suporte na rede de atenção psicossocial.
“Porque o lugar do louco é na cidade, em liberdade, sendo acompanhado pelos serviços de assistência social e de saúde e todos os demais serviços públicos que se fizerem necessário dentro da rede de atenção psicossocial”, apontou.
Romina Gomes, falou da experiência do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O PAI-PJ existe há 25 anos para atuar como um dispositivo conector junto aos sujeitos em sofrimento psíquico que possuem um processo criminal, visando a inserção em tratamento em saúde mental na rede substitutiva aos manicômios.
“O PAI-PJ estabeleceu parceria com a rede aberta e territorializada em saúde mental em Minas Gerais, rompendo com a cultura de segregação e tomando como orientação primordial que cada sujeito é único e, portanto, precisa ser acolhido e escutado para que seja construído um projeto terapêutico singular”, destacou.
Para o representante da Associação Nacional dos Defensores e Defensoras Públicas, Hugo Fernandes Matias, o Estado brasileiro possui ainda uma rede de atenção psicossocial com fragilidades em seus equipamentos. No entanto, ele assevera que fragilidades dos centros de atenção psicossocial não inviabilizam a aplicação da Resolução 487.
“Não. Pelo contrário. A Resolução 487 é um fundamento para que nós possamos fortalecer a política de atenção à saúde mental na sociedade brasileira, para as pessoas privadas de liberdade e para as pessoas em geral”, pontuou.
Sobre o Relatório de Inspeção Nacional
O Relatório de Inspeção Nacional: Desinstitucionalização dos Manicômios Judiciários é fruto de uma ampla articulação entre o Sistema Conselhos de Psicologia, por meio de suas Comissões de Direitos Humanos.
Os resultados do documento já foram tema de mais de 400 notícias publicadas pela imprensa brasileira e têm sido tema de uma coordenada do CFP junto a instituições públicas do Executivo, Legislativo e Judiciário.