Notícias

06/11/2020 - 10:38

Pelo fim da violência contra as mulheres: CFP e diversas entidades da Psicologia destacam que julgamento do caso de Mariana Ferrer foi marcado por machismo e misoginia

"Ser mulher no Brasil é ser sobrevivente", destaca o posicionamento do Sistema Conselhos de Psicologia e do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB)

Pelo fim da violência contra as mulheres: CFP e diversas entidades da Psicologia destacam que julgamento do caso de Mariana Ferrer foi marcado por machismo e misoginia

Em posicionamento, o Sistema Conselhos de Psicologia e o Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB) criticam o julgamento do caso de Mariana Ferrer. “Mariana foi humilhada publicamente pelos “homens da lei”, sendo submetida a mais um tipo de violência – a psicológica – como mostram as imagens e áudios da defesa do acusado”.

Confira a íntegra do posicionamento das entidades:

 

No Brasil o movimento de mulheres vem lutando e denunciando a violência doméstica e sexual ao longo da história na tentativa de desmantelar a tese arraigada na cultura nacional que justificava a violência como “legítima defesa da honra” do homem. Essa tradição sempre esteve presente no contexto brasileiro e ainda hoje se manifesta, inclusive no Poder Judiciário, cujas decisões podem acabar inocentando autores de violência ao considerar que a mulher tem papel ativo na própria violência sofrida. 

Embora essa visão persista no imaginário cultural de muitas sociedades, vários avanços nas legislações internacionais, nacionais e nas políticas públicas têm sido empreendidos a fim de assegurar os direitos às mulheres. Essas transformações procuraram acompanhar as complexas mudanças sociais decorrentes dos esforços da própria sociedade civil. Entretanto, antes de focar nas mudanças jurídico-legais ocorridas especificamente no campo da violência contra a mulher, é importante ressaltar algumas balizas que definiram os direitos fundamentais na história das sociedades contemporâneas, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948 pela ONU; o Código Penal brasileiro, de 1940, que garantiu o atendimento a mulheres e meninas vítimas de estupro e direito a interrupção de gravidez não desejada; e a Constituição Federal de 1988, que declara em seu texto a igualdade entre homens e mulheres como valor supremo da ordem jurídica, assim como na vida pública e privada e, em particular, na vida conjugal.  

Apesar de avanços nos arcabouços legais e políticas públicas, como a criação da da Lei Maria da Penha, ser mulher no Brasil é ser sobrevivente. Como se não bastasse enfrentar os casos diários de violência doméstica, feminicídio e estupro, a Justiça brasileira parece criar novos mecanismos para justificar a absolvição de um estuprador. Em uma decisão sem precedentes, o Judiciário catarinense acatou um recurso que transforma “estupro de vulnerável” em algo que poderia ser nomeado “estupro culposo” – ou seja, estupro sem intenção, que não existe formalmente no ordenamento jurídico brasileiro. 

É isso mesmo. Essa foi a decisão da Justiça de Santa Catarina em relação ao julgamento do caso de Mariana Ferrer, blogueira que foi dopada e estuprada em um beach club, onde foi convidada para ser embaixadora, em Florianópolis. O julgamento do caso foi marcado por atos de machismo e misoginia em relação à vítima – que há meses lutava sozinha pela condenação do acusado. Mariana foi humilhada publicamente pelos “homens da lei”, sendo submetida a mais um tipo de violência – a psicológica – como mostram as imagens e áudios da defesa do acusado.

Essa excrescência compõe um quadro que inclui diariamente cenas de violência contra mulheres, naturalizadas e legitimadas por uma sociedade marcada por valores conservadores, machistas e sexistas. Longe de proteger mulheres – sejam elas meninas, jovens, adultas, idosas, com deficiência, cis ou trans – essa sociedade e suas instituições culpabilizam e condenam as vítimas por meio de processos que as violentam duplamente. Como em outros casos, responsabiliza-se a mulher vítima, e não o agressor. A decisão é grave e pode abrir precedentes ao inocentar o réu em um flagrante desrespeito às evidências apresentadas.   

Por séculos, o domínio sobre os corpos vem sendo aplicado, em especial, aos corpos das mulheres numa perspectiva dos interesses dos homens em desqualificar suas capacidades nos inúmeros espaços sociais, no trabalho, na expressão da sexualidade e em reduzir sua função aos saberes domésticos, à gestação, ao exercício da maternidade, à força de trabalho.

As condutas e comportamentos vão se construindo por meio de disputas políticas, econômicas, sociais e culturais, nas quais os estereótipos e as hierarquias de valores fortalecem as desigualdades de gênero. A tentativa de aniquilamento das subjetividades das mulheres reforça o estigma e causa profundo sofrimento emocional às vítimas das diversas violências de gênero. O estupro não acaba no ato sofrido. Ele é recorrentemente reproduzido nas diversas instâncias que deveriam acolher, cuidar e proteger nossos corpos.

Até quando as mulheres terão seus corpos violados e gritarão por justiça? Até quando a mulher vítima de violência será julgada por seus algozes? Por que não são julgados os estupradores mas sim as vítimas? Até quando homens seguirão livres para usar de poder político e econômico para isentar-se de suas violências e injustiças? Até quando mulheres serão vitimadas pela impunidade?

O Sistema Conselhos de Psicologia, reiterando o compromisso firmado a partir da Resolução nº 008/2020 e das demais produções técnicas produzidas ao longo dos anos, se soma às entidades e vozes que denunciam esse caso para que ele não seja acobertado e para que os órgãos competentes, como o Ministério Público de Santa Catarina, Tribunal de Justiça de Santa Catarina e Conselho Nacional de Justiça, tomem providências cabíveis contra essa arbitrariedade.

Que a repercussão de mais essa brutal injustiça seja combustível para nos provocar indignação e que possamos nos organizar para exigir que o Sistema de Justiça brasileiro responsabilize os agressores e assassinos de mulheres. 

Às vésperas do 25 de Novembro, Dia Internacional da não-violência contra a Mulher, seguimos vigilantes pelo compromisso da Psicologia brasileira com a transformação social e com o enfrentamento da violência institucional e de todas as formas de violência contra as mulheres. 

ABECIPSI – Associação Brasileira de Editores Científicos de Psicologia
ABEP – Associação Brasileira de Ensino de Psicologia
ABOP – Associação Brasileira de Orientação Profissional
ABPD – Associação Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento

ABP+ – Associação Brasileira de Psicologia Positiva

ABPJ – Associação Brasileira de Psicologia Jurídica
ABPP – Associação Brasileira de Psicologia Política
ABPSA – Associação Brasileira de Psicologia da Saúde
ABRANEP – Associação Brasileira de Neuropsicologia
ABRAP – Associação Brasileira de Psicoterapia
ABRAPAV – Associação Brasileira de Psicologia da Aviação
ABRAPEE – Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional
ABRAPESP – Associação Brasileira de Psicologia do Esporte
ABRAPSIT – Associação Brasileira de Psicologia do Tráfego
ABRAPSO – Associação Brasileira de Psicologia Social
ANPEPP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
CFP – Conselho Federal de Psicologia
CONEP – Coordenação Nacional dos Estudantes de Psicologia
FENAPSI – Federação Nacional dos Psicólogos
FLAAB – Federação Latino Americana de Análise Bioenergética
IBAP – Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica
IBNeC – Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Comportamento
SBHP – Sociedade Brasileira de História da Psicologia
SBPH – Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar
SBPOT – Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho