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Discussões sobre Depoimento Especial no Sistema Conselhos de Psicologia

Autor: Sistema Conselhos de Psicologia

Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e pessoas em desenvolvimento.
Separar uma condição da outra é negar-lhes a proteção
integral garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e
pela Convenção dos Direitos da Criança. Proteger o mundo subjetivo
da criança e do adolescente é também garantir direitos.

A inquirição sobrecarrega a criança e o adolescente e deve ser
examinada na perspectiva dos direitos humanos, da proteção integral
e dos conhecimentos científicos disponíveis em diferentes áreas
do saber. A complexidade das situações de violência que envolvem
crianças, adolescentes e suas famílias requer uma abordagem interdisciplinar,
integrada, complementar e não fragmentadora. A inquirição
judicial de crianças e adolescentes é complexa e não pode ser
discutida apenas do ponto de vista procedimental. Ao se discutir tais
procedimentos tem-se deixado de lado os princípios da proteção integral
e do melhor interesse da criança.

Garantir a excelência técnico-científica de uma profissão requer
não apenas o bom desempenho de determinada metodologia, mas,
igualmente, a articulação dessa práxis com outras áreas de saber e o
comprometimento com a dignidade da pessoa humana. Essas premissas
encontram-se exaradas nos códigos de éticas de todas as profissões
regulamentadas e constituem o próprio motivo fundacional dos
Conselhos Profissionais como autarquias públicas: se, por um lado,
estes visam a assegurar a autonomia profissional diante do Estado,
por outro, o próprio Estado se lhes exige cumprimento de ações de
proteção à sociedade. Em outras palavras, os conselhos profissionais
não se guiam pela mera defesa de interesses classistas e de suas respectivas áreas de conhecimento, mas pretendem, antes, assegurar
que a atividade profissional por eles controlada respeite os interesses
da sociedade.

Nomear o depoimento como sendo “especial” ou “sem dano” não
elimina o dano de tal procedimento. Deve-se evitar que crianças e
adolescentes sejam usados como únicos e preponderantes meios de
prova em processos penais, bem como lutar para o aperfeiçoamento
da investigação processual policial e judicial.

É com esse entendimento que, muitas vezes reunida em Congressos
Nacionais, a própria categoria profissional de Psicologia determinou
que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) não permitisse que psicólogas (os) realizem a inquirição judicial de crianças e adolescentes
vítimas ou testemunhas de violência, por mais inflexões terminológicas
que o procedimento tenha sofrido. Não porque a classe carecesse de
técnicas científicas para extrair informações nem porque não houvesse
interesse de inserção desses profissionais no Sistema de Justiça, mas
por considerar, precisamente, que a atuação profissional deve atender
primordialmente ao código de ética, ter sua autonomia respeitada e,
sobretudo, atender a interesses sociais consagrados na própria Carta
Magna, como, neste caso, o melhor interesse da criança.

A fronteira entre a ética profissional e as exigências complexas
do quotidiano de psicólogas inseridas em variados equipamentos da
Rede de Proteção deve ser sempre problematizada. É preciso discutir
o problema das várias formas de violência perpetradas contra crianças
e adolescentes, estabelecer políticas públicas efetivas e permanentes
que enfrentem essas violências, mas também as previnam e, no âmbito
profissional, propiciar discussões que considerem devidamente a
técnica científica na perspectiva da promoção dos direitos humanos.

Assim, com o objetivo de proporcionar reflexão sobre o tema no
Brasil, o CFP apresenta o histórico de sua atuação frente aos debates
sobre a inquirição judicial de Crianças e Adolescentes, uma vez que, para a Psicologia, a escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas
de violência deve ser, em qualquer contexto, pautada na
doutrina da proteção integral, pela legislação específica da profissão
e em marcos teóricos, técnicos e metodológicos da Psicologia como
ciência e profissão.