Este relatório é resultado da Inspeção Nacional, realizada em dezembro
de 2018, em 40 Hospitais Psiquiátricos, localizados em dezessete estados,
nas cinco regiões do país.
Tratou-se de uma ação interinstitucional organizada pelo Mecanismo
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), pelo Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP), pelo Ministério Público do Trabalho
(MPT) e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).
A missão nacional teve como principais objetivos:
• Verificar e analisar as condições de privação de liberdade das pessoas internadas
em hospitais psiquiátricos, sobretudo a existência de violação de direitos;
• Avaliar a qualidade assistencial, a infraestrutura e os insumos básicos disponibilizados
às pessoas internadas;
• Examinar os aspectos institucionais, tais como: a existência de Projeto
Técnico Institucional (PTI), identificação das modalidades de internação
atendidas, diversificação de estratégias terapêuticas e a construção de
Projetos Terapêuticos Singulares (PTS), ações para garantia dos direitos
sociais (documentação, benefício, etc.) e para a desinstitucionalização das
pessoas internadas na condição de longa permanência, articulação com os
demais serviços da rede de saúde e intersetorial, visando à permanente reinserção
social e comunitária;
• Analisar as condições de trabalho e a composição das equipes de saúde
no tocante à diversidade de categorias e ao quantitativo de profissionais;
• Examinar a utilização de medidas de caráter disciplinar no cotidiano institucional,
abrangendo: práticas de castigo, espaços de confinamento e isolamento,
realização de revista íntima ou vexatória, uso de medicação excessiva
e aplicação de contenção mecânica;
• Verificar o tratamento dado a: crianças e adolescentes, mulheres, negros,
pessoas idosa e Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais,
Transgêneros e Intersexos (LGBTI).
Para a operacionalização da Inspeção Nacional foram criadas, no âmbito dos
Estados, coordenações compostas pelos Conselhos Regionais de Psicologia
(CRP), Ministérios Públicos Estaduais (MPE) e Procuradorias Regionais do
Trabalho (PRT) locais, órgãos autônomos que, para compor as equipes de visita,
contaram com representantes de conselhos de classe, do sistema de justiça,
de organizações e segmentos da sociedade civil, de órgãos de prevenção
e combate à tortura, além de universidades e órgãos das secretarias de saúde2.
As distintas coordenações estaduais foram responsáveis pelas visitas aos
estabelecimentos psiquiátricos e pela construção e validação dos relatórios
estaduais3, sobre os quais o presente Relatório Nacional se debruçou para
analisar e debater as principais violações de direitos encontradas, à luz de
tratados, legislações e normativas nacionais e internacionais.
A síntese apresentada neste Relatório pretende trazer à tona um panorama da
situação atual dos hospitais psiquiátricos que prestam serviços para o Sistema
Único de Saúde (SUS). A amostra de serviços visitados, corresponde a aproximadamente um terço do total dos hospitais psiquiátricos com leitos públicos,
em funcionamento. Trata-se de uma visão abrangente, construída a partir da
perspectiva interinstitucional, base dessa ação nacional, sem perder de vista
as especificidades de cada uma das instituições partícipes desse processo.
O Relatório foi dividido em três partes.
A primeira parte faz uma breve introdução deste Relatório e apresenta as
instituições responsáveis pela organização e coordenação nacional da inspeção.
Em sequência, é feita uma contextualização histórica sobre os hospitais
psiquiátricos e sua relação com o processo de reordenação do modelo assistencial em saúde mental, promovido pela lei n. 10.216, de 6 de abril de
20014. Em seguida, a base legal e os principais eixos orientadores da Inspeção
Nacional são expostos, a saber: a abrangência da Convenção sobre os Direitos
da Pessoa com Deficiência (CDPD) às pessoas com sofrimento e/ou transtorno
mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de drogas; a
proibição da internação em instituições com características asilares segundo
lei n. 10.216, de 2001; e a compreensão sobre privação de liberdade e tortura
a partir da lei n. 12.847, de 20135. Por fim, descreve-se a metodologia de trabalho
adotada para a realização da Inspeção Nacional.
A segunda parte compreende a análise das principais constatações de violações
de direitos e de indícios de práticas de tortura, tratamentos cruéis, desumanos
ou degradantes identificados nas inspeções estaduais. Os critérios de
eleição e organização dos temas que orientaram a análise foram inspirados
no padrão estruturante da CDPD e de seu correlato instrumento internacional
de avaliação de serviços de saúde mental e assistência social, denominado
Direito é Qualidade6. Em ordem de capítulos, assim se apresentam o temas:
a. O direito a um padrão de vida adequado – Abordam-se a infraestrutura e
suas dimensões: alimentação, vestuário, ambiente acolhedor e confortável,
comunicação, informação, privacidade e intimidade.
b. O direito de exercer capacidade civil, liberdade e segurança pessoal – A
tônica deste capítulo é o direito à liberdade de escolha, consentimento e recusa
sobre o tipo de tratamento. Debates acerca de constatações no entorno
do não reconhecimento da capacidade legal e direitos de liberdade são acompanhados,
mais especificamente, por questões relacionadas às modalidades
de internação e sua compatibilização com o direito à autonomia no que tange
à administração de seus próprios bens e valores, incluindo o cenário de interdição/curatela. Nesse prisma, ainda é abordada a questão da responsabilidade
legal de terceiro sobre o sujeito internado, em situações diversas.
c. Direito a usufruir do padrão mais elevado de saúde física e mental.
Evidenciam-se aspectos relacionados à organização de atenção hospitalar,
como Projeto Técnico Institucional (PTI), Projeto Terapêutico Singular
(PTS) e as condições de trabalho dos profissionais de saúde. Também foram
abordados os efeitos deletérios da internação em hospitais psiquiátricos,
tais como a violação do direito à convivência familiar e comunitária,
irregularidades na aplicação de contenção mecânica e eletroconvulsoterapia,
uso excessivo de medicação, impedimento de exercício do direito sexual
e a negligência e não discriminação realizada sobre essa população.
d. Violências: físicas, estupro, gênero e orientação sexual, revista vexatória
e liberdade religiosa. Neste capítulo, temas mais amplos, como violência
física e sexual, revista vexatória e liberdade religiosa, permitiram aprofundar
violações de direitos humanos abrangidas pelos demais capítulos.
e. A exploração da mão de obra das pessoas internadas. Sob a perspectiva do
direito ao trabalho digno e decente, diversas violações de direitos humanos foram
identificadas, sobretudo ao se relacionar o paradigma aos direitos intrínsecos
ao processo de reabilitação psicossocial. Ocupação do tempo ocioso,
recompensas por tarefas, insuficiência de funcionários, indícios de trabalho
forçado ou obrigatório constituíram elos de um tecido de atividades ocupacionais
em nada compatíveis com os princípios e garantias de direitos humanos.
f. A internação de crianças e adolescentes. Sensível ao paradigma da proteção
integral, o tema enfileirou constatações acerca do caráter forçado
das internações, sua execução em ambiente próprio de adultos, a violação
do direito à convivência familiar e comunitária e demais direitos fundamentais,
como à vida, alimentação, vestuário pessoal, lazer, liberdade
de crença, sexuais e reprodutivos, educação e trabalho, acompanhados de
procedimentos específicos como eletroconvulsoterapia.
g. Direito de viver de forma independente e incluído na comunidade. Neste
capítulo, abordamos situações de violação de direitos relacionados às pessoas
idosas, como também aos processos de desinstitucionalização e suas
exigências — negativas, como a internação de longa permanência, e positivas,
como a articulação do cuidado em rede comunitária, em suma, em liberdade.
h. Monitoramento, Avaliação e Financiamento Público de Hospitais
Psiquiátricos. Incomum nas inspeções voltadas propriamente para a avaliação
da qualidade dos serviços da assistência em saúde, os temas do
monitoramento, avaliação e financiamento têm notório lugar na política de
saúde mental, a explicar sobretudo os modos de manutenção de prática
asilares em plena era da reforma psiquiátrica.
Na terceira parte, encerra-se o Relatório com as considerações finais, que incluem
os achados transversais às quarenta instituições psiquiátricas inspecionadas
e as providências a serem tomadas, diante do cenário verificado.