O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a representatividade do Conselho Federal de Psicologia (CFP) para atuar na Justiça em causas ligadas a orientação sexual e/ou identidade de gênero.
“Para além de suas finalidades institucionais, o Conselho demonstrou possuir a necessária representatividade temática material e espacial”, conclui o relator, o ministro Edson Fachin, na decisão, publicada nesta quarta-feira (5). “Desse modo, mostra-se legítima sua intervenção na condição de amicus curiae em virtude da possibilidade de contribuir de forma relevante, direta e imediata no tema em pauta.”
O despacho diz respeito ao Mandado de Injunção (MI) 4.733, no qual a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) pleiteia o reconhecimento do dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar a homofobia e a transfobia.
Em sua petição, o CFP ressaltava a necessidade de consolidar a proteção de pessoas vítimas de discriminação, que muitas vezes procuram a orientação profissional de um (a) psicólogo (a).
“É uma decisão a comemorar”, avalia a presidente da autarquia, Mariza Borges. “O Conselho foi admitido levando em consideração sua competência técnica – e, lógico, a da Psicologia – sobre essa matéria, e todo o nosso trabalho, como entidade de classe, pela proteção e por um tratamento mais igualitário e socialmente inclusivo de todas as pessoas, dentro do leque da diversidade de gênero. É um reconhecimento à nossa competência e à nossa tradição de luta por direitos iguais para as pessoas e suas formas de estar no mundo.”
Criminalização específica
No Mandado de Injunção, a ABGLT pede a criminalização específica das ofensas individuais e coletivas, dos homicídios e das agressões com motivação homofóbica ou transfóbica, argumentando que o quadro de violência e discriminação tem inviabilizado que as pessoas LGBT exerçam os direitos fundamentais à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero, bem como à segurança. Saiba mais e acesse a peça.
A argumentação do CFP para se manifestar no caso reúne dados e informações de natureza acadêmica que reforçam a vulnerabilidade da população em questão, a importância de suprir a omissão legislativa no assunto e a relação das (os) psicólogos com essas questões, seja por meio do acolhimento diário ou da pesquisa científica. O texto lembra a atribuição da autarquia e seu envolvimento com a produção de conhecimento, com destaque para a temática em questão.
“Nossa admissão serve como precedente para outras causas no STF em que o Conselho se apresenta como amicus curiae”, observa a advogada Mariana Kreimer Melucci, que responde pela fundamentação em conjunto com o coordenador jurídico da autarquia, Victor Neiva. Na mesma condição, o CFP ingressou na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, também referente a homofobia e transfobia; no Recurso Extraordinário 845.779, sobre uso de banheiro público por pessoas trans; e na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, pelo direito de substituir prenome e sexo no registro civil, independentemente de cirurgia transgenital.
Traduzida como “amigo da corte” ou “amigo do tribunal”, a expressão latina amicus curiae designa pessoa ou entidade que, sem ser parte no processo em questão, fornece subsídios ao tribunal no intuito de propiciar a decisão mais justa. Sua atuação, provocada ou voluntária, visa oferecer esclarecimentos sobre questões essenciais ao caso e aprofundar a discussão, ampliando a visão da corte de modo a beneficiar todos os envolvidos.
Resolução validada
Em junho, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2 – Rio de Janeiro e Espírito Santo) confirmou a validade da Resolução CFP 1/99, que estabelece as normas para atuação das (os) psicólogas (os) em relação a orientação sexual. O texto proíbe as (os) profissionais de exercerem qualquer atividade que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas e adotarem ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados – veta, portanto, a prática de terapias na linha conhecida como “cura gay”.
No detalhamento da decisão, em julho, o Tribunal afirma que a Resolução em vigor é coerente com a legislação, a dignidade da pessoa humana e o direito fundamental ao livre exercício profissional.
“Essa decisão e a de agora se relacionam pelo fato de que nós temos demonstrado – e não só a Psicologia brasileira, mas a área de conhecimento –, que essas diferenças não são doença e que a existência delas não deve nos levar a tratar as pessoas de forma diferente”, diz Mariza Borges. “Existe um consenso mundial, em termos de produção científica, de que é algo que não se enquadra num conceito médico de saúde e doença. E o papel do Conselho nesse tema tem sido reconhecido também legalmente porque nós temos acúmulo político e científico.”